Já foi um país próspero, mas são tempos passados e agora o Iémen vive em guerra civil, é bombardeado por aviões estrangeiros, sofre atentados e volta a sentir fortes tensões separatistas. Não admira que a cólera progrida e a fome ameace mais de um terço
Já foi um país próspero, mas são tempos passados e agora o Iémen vive em guerra civil, é bombardeado por aviões estrangeiros, sofre atentados e volta a sentir fortes tensões separatistas. Não admira que a cólera progrida e a fome ameace mais de um terçoNum dia é o diretor-geral da FaO a alertar para os sete milhões de iemenitas à beira de sofrer fome, no outro é a Cruz Vermelha a anunciar que são já 300 mil os casos de cólera no país, com 1. 600 mortes confirmadas. Junte-se a estas notícias o relato da violência gerada pela guerra civil que dura desde 2014, e que já se internacionalizou, e é impossível considerar justa para o Iémen a designação de “Eudaimonia arabia” que lhe foi dada pelos geógrafos gregos e que os romanos traduziram para latim como “arabia Felix”. arábia Feliz? Bem, no passado remoto pode ter sido assim, nesses tempos míticos da rainha de Sabá de que falam a Bíblia e o alcorão, ou no século VII, quando recebeu o Islão e era a região mais desenvolvida culturalmente e economicamente da Península arábica. Mas o Iémen das últimas décadas tem sido um caso de insucesso, que os fracos recursos em petróleo (comparado com os vizinhos) só por si não explicam. E há três anos, o país vive envolvido numa guerra civil entre os rebeldes houthis e o governo do Presidente abd Rabbo Mansour Hadi. Trata-se de um conflito difícil de explicar, pois tanto pode ser classificado como a revolta de uma comunidade que se considera marginalizada como um choque aberto entre a minoria muçulmana xiita (40 por cento) e a maioria sunita. E há ainda quem veja na guerra civil iemenita apenas mais um ajuste de contas indireto entre o Irão e a arábia Saudita, tal como acontece também na Síria e no Bahrein, cada qual apoiando os seus protegidos xiitas e sunitas. Os números da guerra são terríveis: 15 a 20 mil mortos, 50 mil feridos, talvez cinco milhões de deslocados. Por isso, não é de admirar os sete milhões de iemenitas ameaçados pela fome e a progressão galopante de doenças como a cólera. Mas além dos combates entre os rebeldes houthis, supostamente apoiados pelo Irão, e as forças governamentais, que contam com a ajuda militar da arábia Saudita e mais uma dezena de países, há outras guerras paralelas, como os ataques da al-Qaeda e nos últimos tempos também do Estado Islâmico. E agora ressurge também a tentação separatista no sul, com movimentos que querem restaurar a república que houve até 1990. Chegaram a coexistir dois Iémenes, o do Norte, independente dos turcos desde 1918, e o do Sul, que se libertou dos britânicos em 1967. Um conservador, o outro próximo da União Soviética, ambos viram o fim da Guerra Fria como oportunidade para a reunificação. a liderar o país unido ficou o Presidente nortista, ali Saleh, que soube eliminar os sucessivos adversários até que em 2012, por causa dos ventos da Primavera Árabe, deixou o poder que ocupava desde 1978 e entregou-o ao seu número dois, Hadi, que entretanto passou a ser o protegido da comunidade internacional, apesar do escasso apoio interno e da dependência óbvia da arábia Saudita, que teme a influência dos houthis na zona fronteiriça ocidental e que também receia uma sublevação da sua minoria xiita nas províncias orientais petrolíferas. ali Saleh regressou, entretanto, ao Iémen e aos 75 anos não desistiu de querer influenciar os destinos do país. Ele que é xiita (Hadi é sunita) sempre combateu os houthis quando era Presidente, mas agora é seu aliado. E, portanto, a sua saída de cena em 2012, após ter ficado gravemente ferido num ataque, foi sobretudo uma manobra para salvar a vida ou pelo menos a liberdade de movimentos, depois de ter visto o destino do tunisino Ben ali, do egípcio Hosni Mubarak e do líbio Muammar Kadhafi, os outros líderes derrubados pela Primavera Árabe. Interesses iranianos e sauditas, confronto religioso dentro do Islão, rivalidades regionais ou simples ambições pessoais de políticos, a verdade é que a guerra esquecida no Iémen é uma tragédia para os 27 milhões de habitantes do que foi a “arábia Felix”.