Margarida percebeu. a amizade não era suficiente para ajudar Joaninha e Sofia. Joaninha precisava de cuidados e proteção e Sofia de tratamento
Margarida percebeu. a amizade não era suficiente para ajudar Joaninha e Sofia. Joaninha precisava de cuidados e proteção e Sofia de tratamento- Mamã, achas que a Joaninha podia viver conosco? Tu podias cuidar dela e da mamã dela a Sofia deve estar muito doente, ela não sabe cuidar da Joaninha como tu sabes cuidar de mim!- Porque dizes isso, antónio? – É a Joana que diz. Sabes que ela chega muito tarde à escola e às vezes nem vai porque a mãe dela não acordou? a Joana diz que ela acorda mas não se quer levantar. Os nossos amigos já sabem que a mãe dela não sabe cuidar e ela fica com muita vergonha. Eu acho que ela anda muito triste por causa disso. – Imagino que a Joaninha deve ficar muito contente por ter um amigo como tu – rematou Margarida sem saber o que dizer. – Pois é, mas isso não lhe tira o medo à noite quando a mãe dela não chega. E quando ela tem um medo muito grande, até faz chichi na cama. Mas não contes a ninguém porque é um segredo só nosso. Eu sei que um amigo deve ajudar e eu sou amigo dela. ajudas-me a ajudar a Joaninha?Margarida abraçou antónio. Quanta lição já aprendera com o seu filho! No abraço aconchegante, o seu pensamento voou para Joaninha e Sofia.como podia uma menina de cinco anos, viver sem colo, sem abraço, com tanto vazio de afetos e de cuidados? E como podia a sua amiga Sofia abandonar a filha deixando-a tão sozinha e exposta a riscos e desrespeito por tudo aquilo que são direitos e necessidades? Margarida sentia-se envergonhada por ter sido necessário o seu filho abanar a sua consciência adormecida. Depois de muito ponderar ligou a Sofia e propôs-lhe partilharem o mesmo apartamento, partilhando também tarefas e despesas como forma de facilitar a vida de ambas. Sofia não precisou pensar. aceitou de imediato o convite. Contudo, a vida de Sofia não mudou muito: manteve os mesmos hábitos, o mesmo descompromisso. Não pensava, nem queria pensar. Não queria nada! Não queria mudar, só deixar-se ir. Para Joana, a vida tornou-se mais colorida, agora junto de antónio e Margarida: já tinha lençóis cheirosos e uma cama fofinha, já havia sopa gostosa que ela devorava, e à noite, nunca mais ficou sozinha, mesmo que a mãe não chegasse ou saísse sem ela se aperceber. O que mais a entristecia era quando a mãe gritava com ela, quase sempre sem que ela percebesse porquê. Fazia tudo para agradar, mas quase nunca dava resultado. Sentia uma tristeza tão grande! E aquele medo continuava. Margarida percebeu. a amizade não era suficiente para ajudar Joaninha e Sofia. Joaninha precisava de cuidados e proteção e Sofia de tratamento. O seu trabalho deveria ser nesse sentido. Foi anunciá-lo às crianças, adiantando que Sofia seria tratada e que a Joaninha ficaria aos seus cuidados.como resposta, as duas crianças rodearam Margarida aos gritinhos e saltinhos em rodopio imparável. Na excitação, Joaninha saltou-lhe para o colo, deixando-se agarrada ao pescoço de Margarida, em silêncio, como se estivesse à espera daquele momento desde sempre. antónio, de braços erguidos, conseguiu juntar-se num mesmo abraço coletivo, feliz e orgulhoso da sua mamã. Naquele final de dia, o pulsar do coração naquela família mudou, batendo ritmado ao som transformador da amizade que rompe silêncios e descobre o poder reparador dos afetos.