a experiência que atrai tantos peregrinos à Cova da Iria está relacionada com a possibilidade de encontrar em Nossa Senhora o caminho para Deus, considera o padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima
a experiência que atrai tantos peregrinos à Cova da Iria está relacionada com a possibilidade de encontrar em Nossa Senhora o caminho para Deus, considera o padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima O Santuário de Fátima é mariano, mas não estarão aqui o culto e a espiritualidade demasiado centrados ainda em Maria? Eu diria que muitas vezes se aponta ao santuário como grande critica este perigo de mariolatria, mas diria também que o sentido de fé, o “sensus fidei” do povo cristão, não permite nunca que o nosso povo cristão se prenda exclusivamente a Maria, isto é, o nosso povo cristão mesmo quando não tem, do ponto de vista da expressão, uma possibilidade ou uma capacidade de o dizer de forma teologicamente mais correta, e utiliza o tipo de expressões Nossa Senhora de Fátima para mim é tudo, de facto tem perceção de que ela nunca é a meta. E a experiência que traz tantos peregrinos a Fátima é precisamente esta, a de encontrar em Nossa Senhora aquela que permite fazer uma forte experiência de Deus, de fazer a experiência aqui, que a Nossa Senhora é aquela que nos conduz permanentemente para além dela. Se muitas vezes o nosso povo cristão não tem a capacidade de teorizar teologicamente, não nos devemos admirar ou assustar com isso. Nossa Senhora de Fátima com os três pastorinhos não veio fazer tratado teológico, não veio fazer teologia. Veio fazer mistagogia, isto é, veio partir do mistério e ajudar a centrar no mistério. E essa é a grande mais valia de Fátima. O peregrino que aqui vem faz essa experiência no encontro com Deus que é importante. Maria aparece aqui não como o centro, não como a meta, mas como a mestra, a mistagoga que conduz o peregrino. Mesmo quando ele, do ponto de vista teológico, não consegue ser tão correto na sua expressão como nós gostaríamos. Fátima é mais emoção que razão? Fátima é tanto emoção como razão. E creio que Fátima aqui pode ajudar a nossa vivência de fé neste aspeto. a nossa vivência de fé com muita frequência olha a emoção com desconfiança. E este é um dos problemas com os quais a nossa fé tem que se haver. a nossa fé não é meramente razão. E nós muitas vezes temos uma tendência terrível a reduzi-la a essa dimensão racional. Fátima é um permanente apelo a não esquecermos que ou vivemos a nossa fé como emoção também ou a perdemos. Fátima chama-nos permanentemente à atenção que a fé tem de ser razão e emoção. Não pode perder a emoção, como não pode perder a razão. Podemos dizer que Fátima é uma via privilegiada de acesso a Deus? Eu estou convencido que o é. Que para muitos cristãos que se encontram afastados de Deus, afastados da comunidade cristã, sem um forte sentido de pertença, Fátima é a ténue ligação que mantém à comunidade cristã. É, muitas vezes, a única forma de se religarem, de fazerem essa forte experiência de Deus. Passados 100 anos, há algum aspeto novo da Mensagem de Fátima que não tenha sido ainda sublinhado? Eu diria que a Mensagem de Fátima nos ajuda sobretudo a perceber o lugar central de Deus na nossa vida, na vida crente. Esta não é uma novidade, esta pertence à permanente atualidade da Mensagem de Fátima. Digo novidade no sentido de não ter sido ainda suficientemente estudada e possivelmente não ter chegado ao peregrino Eu diria que, o grande desafio para nós, Santuário de Fátima, enquanto depositários de uma mensagem, e por isso responsáveis também pela transmissão dessa mensagem, é que os peregrinos passem de um conhecimento superficial do que aconteceu aqui e de uma devoção a Nossa Senhora sem qualquer outro enquadramento que não seja essa devoção geral a Nossa Senhora, para a perceção da mensagem que Ela aqui nos veio trazer, isto é, para a perceção de que Nossa Senhora aqui, mais do que falar dela, nos veio falar do lugar de Deus na vida crente. Mais do que falar dela, nos veio desafiar a uma autêntica espiritualidade. Havia um ilustre mariólogo italiano, recentemente falecido, e que foi meu mestre, o padre monfortino Stefano De Fiores, que dizia: aquilo que distingue Fátima das restantes aparições de Nossa Senhora é o facto que não nos propor uma ou outra devoção, mas propor-nos uma espiritualidade orgânica, completa. Que nos ajuda a perceber o que significa a vida cristã a partir dos desafios que a Nossa Senhora aqui nos lança. E, para nós, esta é a grande novidade e este é o grande desafio. Nós, como Santuário de Fátima, sentimos antes de mais a urgência de ajudar quem cá vem a dar um passo mais, isto é, a passar de uma devoção a Nossa Senhora desencarnada para uma devoção mariana de quem percebe que, em Nossa Senhora, encontra o caminho que nos conduz de facto a uma perceção muito mais profunda da vivência cristã.