Os próximos anos vão ser fundamentais para o povo colombiano. Quer na conquista da confiança na paz, quer na superação dos ódios e dos desejos de vingança, considera Leonel Narvaez, missionário da Consolata e fundador das Escolas de Perdão e Reconciliação
Os próximos anos vão ser fundamentais para o povo colombiano. Quer na conquista da confiança na paz, quer na superação dos ódios e dos desejos de vingança, considera Leonel Narvaez, missionário da Consolata e fundador das Escolas de Perdão e ReconciliaçãoComo está a Colômbia a viver o pós-acordo de paz, mesmo depois da maioria da população o ter recusado em referendo? a Colômbia está em estado de parto. Por um lado com dores e por outro com muitas alegrias pela realidade que está a nascer. a derrota no referendo de 2 de outubro último foi um golpe muito duro para uma metade de colombianos que estavam convencidos de que os acordos com as Forças Revolucionárias armadas da Colômbia (FaRC) abriam o caminho para a paz. Tivemos que ganhar consciência que a outra metade dos colombianos não aceitava esse acordo, uns porque reclamavam que não se estava a aplicar castigo suficiente aos que haviam cometido crimes atrozes, outros, porque se tinham deixado infetar pela propaganda do medo ao chamado Castro-Chavismo, à ideologia de género, à narco-economia e, por fim, a um possível governo de delinquentes. Depois de 50 dias de renegociações com vários grupos (entre eles uma boa parte da Igreja Católica) conseguiu-se adotar um novo acordo entre o governo e as FaRC, que foi submetido e aprovado pelo Congresso. Desde então, os acordos têm vindo a ser implementados. atualmente, os guerrilheiros estão a concentrar-se em 28 zonas rurais transitórias, para a entrega de armas e para normalização da situação jurídica de cada um, num processo que se baseia no princípio de que a quem mais verdades confessar, mais favorável será a pena a receber. Ou seja, negoceia-se justiça por verdade.com que objetivo escreveu uma carta aberta ao povo colombiano?Escrevi uma carta urgente a todos os cristãos da Colômbia para salientar que o povo colombiano é de maioria cristã (75 por cento católica) e que por isso, não pode negar a inspiração central do Evangelho: o perdão. Que para um cristão a marca de qualidade da sua fé é viver o modelo de justiça que utiliza Deus: a justificação, a misericórdia, a compaixão. Ou seja, o perdão dos pecados. Que a justiça restaurativa em contraposição com a justiça punitiva é, hoje em dia, a opção das culturas mais avançadas, e o castigo, pelo contrário, continua a ser a opção mais medieval e inútil de todas. Que o significado mais profundo da existência humana é a capacidade de ser um dom para os outros: ser perdão para quem nos ofende. Perdoar sempre e perdoar o imperdoável. Que se um cristão não crê, se não vive e não celebra o perdão, não lhe fica mais nada para crer, viver ou celebrar. Que o escândalo mais insuportável do cristianismo é que conheçamos tão pouco da teoria, da pedagogia e da pastoral do perdão. Que sem perdão não há futuro e que se uma vítima não perdoa fica eternamente vítima. Mas o pior de tudo é que os nossos guias espirituais tenham sido e continuem a ser temerosos e envergonhados no perdão. No referendo aos acordos, os líderes das igrejas cristãs (e entre eles os líderes católicos) perderam uma ocasião de ouro para, mais do que apoiar o sim ou o não, anunciarem com clareza que nenhuma das opções se devia deixar infetar pelo que é mais contrário à inspiração de Jesus: a raiva, o rancor ou a urgência de retaliação. Que papel teve a Igreja para se chegar finalmente a um acordo de paz, e o que pode fazer para ajudar a implementá-lo? a Igreja Católica foi protagonista e líder em todo este – e anteriores – processos de paz. as suas contínuas mensagens e presenças concretas em todo o território nacional tiveram certamente incidência e impacto. O grande vazio continua a ser a incapacidade para oferecer propostas pastorais mais proféticas, mais concretas e robustas. O que se espera da Colômbia, agora que é suposto estar resolvido um conflito que se arrastava há 50 anos? Os próximos três a cinco anos serão os mais difíceis, pois será necessário conseguir do povo colombiano a confiança na paz. Mais ainda serão os próximos 20 anos, anos de reconstrução obrigatória do tecido social, de resposta às necessidades objetivas da paz (saúde, terra, educação, habitação e emprego) e às necessidades ambientais da negociação (verdade, justiça, reparação). Serão também anos para superar as necessidades objetivas da paz: a superação dos ódios e as urgências de vingança que, em 2016, continuaram a ser os motivos principais em 87 por cento dos homicídios no país. É aqui que assume pleno sentido a cultura do perdão e reconciliação em que um grupo de missionários da Consolata vem trabalhando há 15 anos com crescente reconhecimento nacional e internacional.