ao contrário do que tem vindo a ser afirmado, não se está a discutir a autonomia pessoal, não estamos a debater a possibilidade de as pessoas decidirem o que fazer com a sua vida
ao contrário do que tem vindo a ser afirmado, não se está a discutir a autonomia pessoal, não estamos a debater a possibilidade de as pessoas decidirem o que fazer com a sua vidaO tema da eutanásia, que tem vindo a ser cada vez mais debatido em Portugal, chegou à assembleia da República. Neste momento encontram-se no Parlamento duas petições, uma a favor e outra contra (esta com quase o dobro das assinaturas da primeira). Para além disso, o Bloco de Esquerda e o PaN já anunciaram a sua intenção de apresentar propostas de lei sobre o tema. Por isso, queiramos ou não, é hora de refletirmos sobre que sociedade e que Estado desejamos. É talvez a única vantagem deste debate é obrigar-nos a ajuizar claramente sobre a posição que nós, enquanto país, enquanto sociedade, temos diante da vida humana. Porque, ao contrário do que tem vindo a ser afirmado, não se está a discutir a autonomia pessoal, não estamos a debater a possibilidade de as pessoas decidirem o que fazer com a sua vida. Na eutanásia é a pessoa que pede para morrer mas sãos os médicos que decidem se ela pode ou não. Não há autonomia pessoal quando são precisos três médicos (como é proposto pelo PaN) para decidir se uma pessoa pode ou não ser morta. O que está em discussão é saber que resposta tem a sociedade a oferecer aos doentes, aos idosos, aos que sofrem. Oferecemos cuidados médicos, cuidados sociais, oferecemos o nosso amor e a nossa compaixão ou a morte? a sociedade em que vivemos está baseado no valor da vida humana. a democracia assenta na ideia de que cada pessoa tem um tal valor que não pode haver, aos olhos da lei, cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Esta conquista do reconhecimento que toda a vida é digna, que toda a vida tem igual importância para a sociedade, demorou séculos e é um bem que tem que ser protegido. Cultura do descarteCom a eutanásia a sociedade afirma que há vidas que valem menos. Que há vidas menos dignas. Que há circunstâncias onde o Estado já não protege a vida mas antes a elimina. a legalização da eutanásia seria a vitória da cultura do descarte. De uma cultura individualista e egoísta, onde o outro não me interessa, onde o outro só tem valor enquanto é saudável e capaz de produzir. a morte termina não o sofrimento, mas a vida. Ou seja, acaba o sofrimento, mas acaba também a felicidade, o amor e toda a beleza que existe na vida de cada homem, até daqueles que estão doentes ou envelhecidos. Só uma palavra nos liberta de todo o peso e da dor da vida: essa palavra é o amor, dizia Sófocles. Uma sociedade que oferece a morte aos que sofrem é uma sociedade que desistiu de amar o próximo. Que se rendeu a uma mentalidade utilitarista, onde o valor do outro depende daquilo que ele tem para nos oferecer! a questão da morte a pedido é por isso uma batalha civilizacional. Uma batalha que cada um que acredita que toda a vida tem dignidade deve travar! E pode fazê-lo de maneira muito simples: escrevendo aos deputados do seus distritos, escrevendo às estruturas partidárias da sua região, pedindo-lhes para que, no Parlamento, recusem esta sociedade da morte e do descarte e promovam antes uma sociedade solidária, onde cada vida humana tem valor, independentemente das suas circunstâncias. Nenhum daqueles que acredita no valor da vida está dispensado de, nesta hora fulcral, dar o seu contributo, por mais modesto que seja, para (re)construir uma sociedade assente no valor e na dignidade da vida humana.