Jesus tinha tanto de fantástico e maravilhoso como de louco nos seus discursos e atitudes, elucidadas num comportamento que por vezes o pôs em sério risco de perder a vida
Jesus tinha tanto de fantástico e maravilhoso como de louco nos seus discursos e atitudes, elucidadas num comportamento que por vezes o pôs em sério risco de perder a vidaUma das frases mais usadas recentemente no contexto da nossa Igreja, desde que o Papa Francisco escreveu a encíclica a alegria do Evangelho, é precisamente essa: todos ou quase todos mencionam a alegria do Evangelho nos seus escritos, opiniões e ideias. Não, não vou falar sobre ela, mas sobre uma outra atitude que brota do Evangelho e que o caracteriza, tal como à pessoa de Jesus, até porque como dizia alguém, o Evangelho é a própria pessoa de Jesus Cristo.como já adivinharam, a palavra que escolho para esta minha reflexão é loucura, também porque está na moda definir de loucos os anos e eventos recentes, desde o absurdo e loucura que é a guerra na Síria (são já cinco os seus anos de vida) até ao “Brexit”inglês, passando pela mais recente loucura: a eleição de Trump como Presidente dos Estados Unidos da américa. Mas não é de política que quero falar, mas sim da loucura do Evangelho e da pessoa de Jesus. Sabemos o quanto ele era odiado e perseguido pelos poderosos do seu tempo, sobretudo religiosos, o que já por si é de loucos, pois deveriam ter sido eles os primeiros a dar-se conta de que, em Jesus, Deus estava encarnando na história e na vida da humanidade. De facto, as suas palavras e ações eram consideradas absurdas e loucas, heréticas e blasfemas por muitos dos que o escutavam, enquanto os seus discípulos e amigos mais próximos tinham também imensa dificuldade em perceber e aceitar a novidade do seu discurso e a forma de se relacionar com as pessoas, sobretudo com os que a sociedade normal considerava de amaldiçoados. Jesus tinha tanto de fantástico e maravilhoso como de louco nos seus discursos e atitudes, elucidadas num comportamento que por vezes o pôs em sério risco de perder a vida. Mas é precisamente nesta loucura sã e positiva que reside a Boa Nova que ele veio trazer. “Boa” porque Jesus centrou sempre a sua atenção e dedicação no bem-estar integral de cada pessoa que encontrava e “Nova” porque, como dizia um guarda do templo, nunca ninguém tinha falado assim. Ou seja, revolucionou o modo de se entender a essência e a identidade de Deus (Deus é amor) e aproximou o ser humano à sua própria divindade, chamando-nos de amigos e dando por nós a vida. Mais ainda: a novidade está sobretudo centrada no modo como Jesus se relaciona com Deus, chamando-o de Pai, e nas atitudes que tinha em relação a todos, seja de acolhimento, cura e consolação para com muitos, seja de crítica construtiva e convite à conversão feita a alguns. E nós? Compreendemos esta loucura de Jesus? Certamente não é fácil também para nós compreender e aceitar, muito menos praticar, alguns dos ensinamentos e atitudes que ele teve ao longo da sua missão. Mas se por loucura entendermos amor radical, então será fácil perceber a lógica de Jesus e a sua loucura, uma loucura capaz de transformar a solidão e a discriminação a que muitos eram condenados em acolhimento que os renovava e ajudava a redescobrirem a sua dignidade, beleza e valor perante Deus e os outros.como tal, Jesus aceita o desafio de educar homens e mulheres lentos de compreensão, mas com um coração grande e generoso a quem chamou discípulos e amigos, formando-os na escola do amor e na comunidade da partilha, de modo a criar as raízes daquilo que somos hoje: membros do corpo da Igreja, da qual ele é a cabeça. É desta loucura que o mundo precisa, não da que destrói e mata, da que corrompe e explora, da que oprime e discrimina. Somos convidados a ser loucos por amor a Deus e ao próximo, da forma que mais se adequa aos nossos talentos e capacidades. Loucura significa também, neste contexto, ser-se apaixonado pela humanidade e, como todo e qualquer apaixonado que quer somente o bem de quem ama, o discípulo e missionário de Jesus deve ser um louco apaixonado por Deus e pelo ser humano, ser que manifesta a sua identidade e essência em múltiplas culturas, tradições e modos de vida. Claro que seguir Jesus de mais perto, através da vocação missionária, religiosa e/ou sacerdotal exige uma boa dose de loucura, porque muitos são os que deram e dão inclusivamente a vida ao serviço da missão em muitos cantos do mundo. Para mim, um dos termos que define esta loucura de Cristo e que dá sentido profundo à vida é partilha. Sim, porque quem dá e partilha o melhor de si a outros e com outros é, na perspetiva do nosso mundo, um louco varrido. Mas na dinâmica do Evangelho, é um louco bem-aventurado.