Portugal tem mais de 300 reclusos acima dos 65 anos, tendo a maioria sido preso depois dos 60 anos, o que representa um sério desafio em matéria de reinserção social. O sistema prisional português necessita ser revisto
Portugal tem mais de 300 reclusos acima dos 65 anos, tendo a maioria sido preso depois dos 60 anos, o que representa um sério desafio em matéria de reinserção social. O sistema prisional português necessita ser revistoOs dados da Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) são evidentes e mostram que o número de pessoas com 65 anos ou mais detidas nas prisões portuguesas tem vindo a crescer, com um aumento de mais de 62% entre 2011 e 2016. a notícia veiculada ontem pela agência Lusa, revela mais um dado fracturante dentro do já de si complexo sistema prisional português, sistema esse que deveria ser cuidadosamente revisto para este grau etário, mas também noutros contextos. Se é certo que alguns estabelecimentos têm procurado inovar quanto à forma do cumprimento da pena, criando práticas que dignifiquem o detido, a verdade é que a sua maioria continua a oferecer condições degradantes em vários aspectos.

Dados actualizados a 27 de Dezembro passado revelam que há 357 reclusos com mais de 65 anos – 337 homens e 20 mulheres – sendo que no caso de 115 destas pessoas a prisão acontece quando já têm mais de 60 anos. Segundo a DGRSP, o recluso mais velho tem 90 anos e está numa instituição psiquiátrica não prisional, sendo que, em contexto de estabelecimento prisional, o mais velho tem 89 anos, além de outros dois com 88 anos e de mais dois com 87 anos. Entre os homens, 263 têm entre 65 e 74 anos, 65 entre 75 e 84 anos e nove têm mais de 85 anos. Já entre as mulheres, 17 estão entre os 65 e 74 anos, duas entre 75 e 84 anos, havendo ainda uma com mais de 85 anos.

alguns depoimentos de presos são coincidentes quanto ao que sentem e que se podem resumir em três vertentes: o elevado peso que representa a pena, o arrependimento dos actos que os levaram a entrar na cadeia e o desejo de uma nova vida diferente. antónio Brinca, 68 anos, está preso há quatro anos por ter tentado matar o irmão, tendo sido condenado a oito anos de prisão. admite que está arrependido, que o crime que cometeu deu-lhe cabo da vida e que o que mais lhe custa é a privação de liberdade. Gostava de envelhecer em minha casa, a trabalhar na mesma. Espero que aconteça. Tenho fé e esperança nisso, afirma o detido em Pinheiro da Cruz, onde frequenta a escola.
Outro detido, Vítor Pereira, 71 anos, reincidente, preso por tráfico de droga e a cumprir uma pena de oito anos, conta como o facto de ser mais velho lhe traz mais respeito por parte dos outros reclusos: Somos conhecidos pelos cotas. Nas suas palavras, envelhecer na prisão é muito difícil. Custa-lhe andar, já não tem forças nas pernas, perdeu 16 quilos, além de sofrer de diabetes, colesterol e de o coração às vezes não estar muito bom. Imaginava um envelhecimento diferente, junto dos meus netos, passeando com eles, levá-los à escola ou ir à praia com eles, porque eu gosto muito do mar, diz. Entretanto, para se entreter, vai arrancando umas ervas ou trata dos animais.

Cristina Lima dos Santos, autora de uma investigação no âmbito da tese de mestrado sobre envelhecimento em contexto prisional, confirma que muitos presos referiram a necessidade de restabelecer laços familiares ou conjugais que perderam por estarem privados da liberdade. Há que haver uma iniciativa por parte da instituição prisional ou até mesmo da sociedade em articular a saída da pessoa da prisão para a vida familiar ou social, porque se alguns têm um suporte outros não o têm e é preocupante o futuro destas pessoas, apontou, em declarações à Lusa. a investigadora refere ainda que a maior parte dos reclusos idosos não acredita na reinserção social, salientando que tem de haver todo um mecanismo concertado com a sociedade para ser capaz de integrar estes indivíduos.

Em relação a este assunto o coordenador da Pastoral Penitenciária, padre João GonçAlves, afirma que há muito por fazer na área da reinserção em Portugal, lembrando que esse trabalho começa no dia em que a pessoa é presa. Na opinião do coordenador, deveria haver uma atenção muito especial para com os presos idosos, que vão ter muita dificuldade em voltar para a família, sobretudo quando as penas são muito grandes. Tudo tem de ser visto de uma forma mais humana, principalmente quando falamos de pessoas idosas, afirmou o sacerdote.
Estamos em crer que a perspectiva do coordenador da Pastoral Penitenciária diz muito quanto ao caminho que a reinserção social destes presos deve tomar. Mas que seja o mais rapidamente possível.