Quando as Nações Unidas comemoram o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, assinada a 10 de Dezembro de 1948, o mundo dá conta que tem pouco a celebrar e muito a caminhar.
Quando as Nações Unidas comemoram o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, assinada a 10 de Dezembro de 1948, o mundo dá conta que tem pouco a celebrar e muito a caminhar. a maioria da humanidade lamenta, mas acha natural que dois terços dos seres humanos vivam em condições de pobreza estrutural, não tenham uma casa digna para morar e que, no mundo dito “globalizado”, o emprego seja, cada vez mais, artigo de luxo. a própria ONU, que publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e se propôs ser a guardiã e defensora destes direitos, convive naturalmente com a pobreza injusta dos povos explorados, as regras iní­quas do comércio mundial e uma organização internacional que privilegia sempre os mais fortes.
a Declaração dos Direitos Individuais foi uma conquista fundamental da humanidade. Quase sessenta anos depois, continuamos lutando para que esses direitos entrem na consciência dos povos e de cada membro da humanidade. Num país como o Brasil, juízes mantêm na prisão uma anciã de 79 anos que foi presa há mais de dez anos, roubando um champô e agora está morrendo de câncer (Folha de S. Paulo, domingo, 27/11/2005). Todos os dias, a sociedade convive naturalmente com notícias de violências policiais e com torturas nas delegacias.
No corpo de leis internacionais, já existem sancionados os direitos especí­ficos de comunidades indígenas, de povos originais, de migrantes e de ciganos. países como o Brasil, (não os Estados Unidos), assinaram a declaração dos Direitos das Crianças e o Estatuto dos Idosos. Do mesmo modo, temos de defender direitos dos portadores de necessidades especiais, das minorias étnicas e assim por diante… Mesmo se ainda são pouco cumpridos, o simples facto de a lei internacional tornar obrigatório o respeito pelos direitos fundamentais de qualquer pessoa, pobre ou rica, branca ou negra, torna ilegais todas as ditaduras, revela a iniquidade de qualquer tipo de tortura e mostra que é impossível uma verdadeira civilização sem respeito pelas liberdades individuais e pela dignidade humana. a consciência desses direitos fundamentais expressa a fé na sacralidade de toda pessoa e da humanidade inteira, representada em cada criança maltratada e pobre injustiçado. No entanto, a defesa dos direitos civis e políticos torna-se superficial e improdutiva sem a garantia dos direitos económicos, sociais e culturais, tanto das pessoas individuais, como das comunidades (direitos colectivos). No Brasil, grupos comprometidos com a paz e a justiça conseguiram consolidar a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Económicos, Sociais e Culturais (Dhesc Brasil), reconhecida pela ONU e que representa uma importante conquista no plano jurí­dico e social.
Geralmente, falamos de direitos civis e políticos quando se tratam de questões que o Estado não pode fazer com nenhum/a cidadão/ã. Não pode coibir direitos, como o da expressão, participação em grupos e organizações sociais e o direito de circular livremente no país e no mundo. Conforme a mesma legislação, o Estado não pode prender alguém sem ordem judicial. Isso faz parte dos direitos civis de qualquer pessoa. Os direitos sociais e económicos vão para além disso. O Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais – Pidesc – olha não apenas para o que é proibido, mas ressalta as acções positivas que o Estado deve promover para garantir direitos sociais, como o acesso de todos à educação, a um eficaz atendimento no plano da saúde e à possibilidade de trabalho remunerado. Defende o direito das comunidades ao exercício livre e pleno da cultura própria, direito ao tempo de lazer e assim por diante.
Esta dimensão nova dos Direitos Humanos cuida de aperfeiçoar políticas públicas de inclusão social, baseadas no direito que todos têm a uma vida digna e integrada na sociedade. a pobreza é, em si mesmo, consequência de uma sociedade que desrespeita, ao menos vários senão todos os preceitos destes Direitos Universais. Esta injustiça estrutural não é inevitável. Basta vontade Política dos governos e organismos internacionais para mudarmos a face da terra. Todos os estudos confirmam: a terceira parte do que o governo norte-americano gastou na invasão do Iraque seria suficiente para acabar com toda a fome da África. a verba que a ONU pediu em Julho de 2005 para socorrer as vítimas do ví­rus HIV e impedir a morte de milhões de pessoas não chega a um décimo do que se gasta no lançamento de um veículo espacial em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos.
Pouco adianta repetir isso se não se encontram meios para mudar essa realidade. O mundo inteiro, mesmo os ditadores mais sanguinários, dizem defender os direitos humanos. O importante é estabelecer métodos e etapas no caminho de sua realização. Hoje, todo mundo que actua nesta área sabe que os Direitos Humanos não existem como definidos e prontos. São elementos de conquista gradual e permanente das sociedades e das pessoas.
O ser humano pertence ao universo como elemento intrí­nseco e parte consciente da natureza. Por isso, os Direitos Humanos não podem existir desligados dos direitos da terra, da água, do ar e de todos os seres vivos. No ano 2000, em Paris, a UNESCO publicou a Carta da Terra, redigida a partir de contributos de mais de cem mil pessoas de 46 países. De forma semelhante à Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a Carta da Terra pode ser utilizada como um código universal de conduta para guiar os povos e as nações na direcção de um futuro sustentável. Este documento sintetiza bem a razão de toda a defesa dos direitos humanos e da natureza ao concluir dizendo: “Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, por um compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela rápida luta pela justiça, pela paz e pela alegre celebração da vida”.
Marcelo Barros, monge beneditino e autor de 26 livros. mosteirodegoias@cultura.com. br