aquele professor fundou um grupo de dança «diferente». Para ele bastava ser pessoa e querer dançar. Tinha invisuais, com surdez, com deficiência motora, crianças, jovens, adultos. Tinha «pessoas»
aquele professor fundou um grupo de dança «diferente». Para ele bastava ser pessoa e querer dançar. Tinha invisuais, com surdez, com deficiência motora, crianças, jovens, adultos. Tinha «pessoas»Sílvia estava num recanto do auditório onde a sua cadeira de rodas não interrompia a passagem. O conferencista explicava que uma comunidade, para ser saudável, terá de aceitar a diferença de cada pessoa. Não por generosidade, mas porque cada pessoa é diferente. É essa diferença que cria riqueza. Se quiser deixar alguém de fora, quem sai? E quem tem autoridade para o decidir?Sílvia pensava: Se houver muita gente a sentir assim, haverá menos excluídos. Hoje Sílvia não é excluída, mas durante muitos anos experimentou ser tão diferente que pensava não ter lugar no mundo dos normais: desde os seis anos habituou-se a ficar na escola quando os colegas iam a visitas de estudo; a ficar num cantinho do recreio para não atrapalhar com a cadeira de rodas, a não fazer ginástica, a não ser convidada para ir a festas dos colegas.com tanto não, Sílvia acreditou que era diferente. E que era menos! Tão menos que sentia vergonha e culpa por precisar da ajuda de outros. Nunca seria normal, pensava com dó de si. Um dia, um professor diferente foi à sua escola. Entrou na sala e perguntou:- Quais destes meninos e meninas quer experimentar uma aula de dança?Todos levantaram o braço em pronta algazarra. Todos não! Sílvia não levantou o braço. Limitou-se a olhar os colegas e a pensar na sorte que tinham. Já nem ligava: estava habituada.com a euforia dos colegas nem viu o professor a aproximar-se. Sobressaltou-se com uma voz ao seu lado: – E tu, minha querida, não queres dançar?Sílvia olhou-o e pensou que aquele senhor não era nada esperto. Era simpático mas não percebia nada de dança. Delicadamente, explicou:- Quando se tem uma cadeira de rodas não se pode dançar!Mas aquele senhor continuou:- Na minha turma de dança, os meninos que têm cadeira de rodas podem dançar! Tu gostarias?aos oito anitos, Sílvia não se atrevia a contrariar um professor. Disse logo que sim, mas sabendo que seria só a fingir. Mesmo assim, soube-lhe tão bem ele não a ter deixado de fora. E não foi só a fingir. aquele professor fundou um grupo de dança diferente. Para ele bastava ser pessoa e querer dançar. Tinha invisuais, com surdez, com deficiência motora, crianças, jovens, adultos. Tinha pessoas. – Que baralhada. Isto nunca vai ser nada de jeito – pensava Sílvia desacreditada de si e de muitos outros colegas do grupo. Hoje Sílvia diz orgulhosamente que pertence ao reconhecido grupo Dançando com a Diferença, convidado em numerosos eventos nacionais e internacionais. Talvez por isso, hoje Sílvia foi a primeira a levantar o dedo para colocar uma questão:- Professor, obrigada pela sua comunicação. Coloco-lhe uma questão: Como o professor disse, não basta a sociedade querer incluir alguém diferente. Essa pessoa terá, ela própria, de encontrar o papel que é seu por direito. Por isso, a sociedade só terá de permitir que cada um ocupe o seu lugar. as palmas da assembleia soltaram-se, destacando Sílvia que, da sua cadeira de rodas, sabe que tem direito a ser ela própria. Já não sente a vergonha e a culpa de quando era menina: agora ocupa o seu lugar de pessoa insubstituível – porque alguém não a deixou de fora e ela quis ser parte do todo a que todos pertencemos.