O bispo auxiliar de Lisboa, Carlos azevedo, foi um dos oradores do III Congresso dos Missionários da Consolata e concedeu-nos uma curta entrevista sobre os desafios actuais da missão.
O bispo auxiliar de Lisboa, Carlos azevedo, foi um dos oradores do III Congresso dos Missionários da Consolata e concedeu-nos uma curta entrevista sobre os desafios actuais da missão. Fátima Missionária: Chegando a este III Congresso sobre a missão para os dias de hoje, qual foi a sua primeira impressão?
Carlos azevedo: a impressão de que a alma missionária de Portugal não morreu e tem ainda pessoas que se movimentam e que estão disponíveis para anunciarem a fé, quer aos seus vizinhos, aqui próximos, quer em terras de missão ad gentes com o seu apoio de oração, com o seu apoio material e com o seu envolvimento pessoal.como hoje começa a ser, sobretudo entre os jovens, essa realidade nova que traz muita esperança, de gente que é capaz de dar uns anos da sua vida para estar ao serviço dos outros, no serviço da evangelização. Esses desafios são importantes porque às vezes há uma certa rotina na vida da Igreja e parar para pensar, como é sempre um congresso, é importante porque há pouca gente que parece querer parar para pensar.

FM: Como membro da conferência episcopal, acha que a alma missionária da Igreja portuguesa ainda vibra ou já está um bocado adormecida?
Ca: ainda vibra, mas vibra mais pela emoção do que pela operatividade. Nós ainda vemos que se houver um missionário que venha falar a uma aldeia as pessoas vão ouvir, porque geralmente até fala com mais vivacidade que o pároco lá da terra e conta umas histórias engraçadas. São capazes de ir à carteira e dar uns trocos mais fortes quando se faz um peditório para as missões, mas para perceber a consciência missionária de todo o cristão, que por ser baptizado está implicado na missão da Igreja, ainda temos muito caminho a fazer.

FM: Na sua conferência disse-nos que a Igreja tem que redescobrir o seu cariz de iniciação. O que é que, como Igreja, podemos fazer nesse sentido?
Ca: Esses passos já começam a ser dados, só que são experiências ainda muito minoritárias no conjunto da vida da Igreja que segue o movimento daquilo que já se fez e se continua a fazer sem se interrogar sobre a eficácia de algumas das medidas. Nós sabemos que a catequese da infância sem catequese de adultos é inoperante, porque está a formar gente para ser deformada depois pela escola, pelos pais e pela realidade envolvente. Portanto, estamos a gastar energias sem atender a outros factores que destruem o que é feito, e por isso, estamos a ser ineficazes. a necessidade de nós pensarmos a acção pastoral da Igreja no seu conjunto, a transmissão da fé pelo testemunho, pelo catecumenado e há experiências catecumenais fundamentais. Numa linguagem que não seja especulativa, como muitas vezes ainda se faz, mas uma linguagem narrativa, como Jesus fez, uma linguagem simbólica que a liturgia vive. Em celebrações, que sabemos que também fazem parte da transmissão da fé, que são celebração da fé e testemunho depois da caridade.
Perceber que se um dos pilares do tripé falha, a missão da igreja fica coxa. Faltando a forma de uma das patas do tripé este cai. aqui também temos um tripé: que é a celebração, a actividade profética (levar a mensagem) e a caridade. Não pode falhar nenhum dos aspectos, senão não se segura. E nós vemos que é preciso que as celebrações sejam belas, dignas e festivas. as pessoas deixam de ir porque é uma maçada. Se quando as pessoas vão à liturgia dominical só com muito raciocínio conseguem trazer alguma coisa para casa, tudo isto começa a falhar nos vários níveis.

Experiência positivas no domínio do envolvimento dos pais começa a haver em algumas paróquia que ao admitir as crianças exigem a participação dos pais, que têm mesmo que participar em alguma formação para eles próprios. Se não quiserem de pouco adianta que despachem os filhos para a catequese de modo a poder is às compras ou passear. Criar uma consciência do que querem verdadeiramente para os filhos exige trabalho, exige muita conversa, muita abordagem, não é deixar que as coisas corram.
Quando queremos mudar dá trabalho. Há gente que aceita e gente que não aceita. É preciso abrir um espaço de convicção das pessoas daquilo que nós queremos propor. É preciso mentalizar um grupo para depois ele ser capaz de aguentar as mudanças. Isso tudo é preciso pensar, é preciso organizar e progressivamente fazer etapas, porque na vida pastoral da Igreja, nós vemos que alguns sectores, que de facto foram transformados, foi à custa de alguém que deu o corpo e que fez o programa. Depois, ao fim de 15 ou 20 anos está a obra feita. E quando isso acontece nós vemos de facto, sem pensar que os resultados são automáticos ao nosso esforço, de facto o Espírito Santo actua através de nós. Dá-nos inteligência, luz, iluminação interior, capacidade de preparar o futuro, mas temos que deixar que o Espírito actue em nós. Por isso o tema Hospedeiros do Espírito, temos que deixar que este actue em nós, recebê-lo em casa, para que depois a Igreja se transforme e se renove, porque sem isso pode ser o plano feito em gabinete mas que depois não tem fecundidade. a fecundidade é também muita humildade nossa, que depois de darmos tudo confiarmos tudo, com a força de Deus, que está presente.

FM: O nosso congresso está agora a terminar, qual é a mensagem, o desafio, que quer deixar aos congressistas e aos nossos leitores?
Ca: É fundamental que as pessoas parem para reflectir nas situações em que estão envolvidas. No concreto, se estão a trabalhar num paróquia reflectir sobre essa paróquia, se estão num a terra de missão reflectir sobre essa terra. a igreja é local e o local é fundamental. Temos que atender à realidade em que estamos e reflectir essa realidade. Fazendo-nos hospedeiros do Espírito encontraremos então luz para alterar, para programar para avançar nessa realidade concreta. auscultando quais são as aspirações espirituais profundas das pessoas, e penso que dentro do carisma da Consolata está este auscultar o que dá consolação às pessoas, aquilo que lhes dá alegria de viver, que as cura no interior. É preciso detectar aquilo que cura as muitas feridas interiores das pessoas. Não podemos fazer como o escuteiro que queria obrigar a velhinha a atravessar a rua para fazer a boa acção. arriscamo-nos a dar às pessoas aquilo que elas não precisam, e estranhamos que não venham àquilo que oferecemos.
É preciso estudar muito bem aquilo que pode ir de encontro, sabendo que também há que provocar as pessoas, criar interrogações. Hoje a missão no mundo que nos rodeia, no lugar onde estamos exige reflexão. a realidade é complexa, as vidas das pessoas são complicada, são muitos factores que as fazem andar desconsoladas e elas precisam ser consoladas pelo Espírito.como dizia São Paulo: Nós só podemos consolar a partir da consolação da qual somos consolados. Portanto, é a partir duma cura interior, do acolher a força de Deus misericordioso que nos podemos transformar em testemunhas. E ao transformarmo-nos em testemunhas temos que ver qual é o terreno que pisamos e as pessoas a quem nos queremos dirigir.