Em 1976, por causa de uma tentativa de cortar uma árvore que impedia a visão de um posto de observação, um capitão americano foi morto à machadada por soldados norte-coreanos
Em 1976, por causa de uma tentativa de cortar uma árvore que impedia a visão de um posto de observação, um capitão americano foi morto à machadada por soldados norte-coreanos a guerra entre as Coreias acabou em 1953, mas um tratado de paz continua por assinar. Na fronteira oficiosa, militares dos dois lados vigiam-se, a poucos metros de distância. apesar da história e cultura comum, os seus países transformaram-se em casos extremos, com um fechado e empobrecido, a Coreia do Norte, e o outro aberto ao mundo e cada vez mais rico, a Coreia do SulSe houver nova invasão norte-coreana, como em junho de 1950, o soldado Lim promete resistir. até a soco e pontapé, se for preciso. Cinturão negro de taekwondo, faz parte da unidade de elite do exército sul-coreano colocada na DMZ, a zona desmilitarizada que desde o fim da guerra em 1953 serve de fronteira oficiosa entre dois países que partilham uma história, uma cultura e uma língua, mas que a ideologia divide. a norte do Paralelo 38 sobrevive um regime comunista, que vai já numa dinastia com três Kim, enquanto a sul brilha a 11. a economia mundial, um país tão admirado pela sua adesão à democracia como pelo sucesso tecnológico da Samsung ou da LG. Parecem estátuas os militares sul-coreanos colocados na linha de demarcação em Panmunjom, local onde se assinou o armistício. até os óculos de sol servem para ocultar o piscar de olhos e reforçar a sensação de imobilidade. De pernas ligeiramente afastadas e punhos fechados, exibem uma posição de taekwondo, a arte marcial inventada pelos coreanos. aqui, na chamada fronteira mais perigosa do mundo, não é um desporto, mas sim arma de guerra. Mais uma. É que se em Panmunjom, onde ficam os pavilhões azuis que servem para as raras negociações, só se pode usar pistola, ao longo dessa faixa de quatro quilómetros de largura que constitui a DMZ e que corre ao longo de 250 quilómetros desde o mar do Japão (Oriental, para os coreanos) até ao mar amarelo é incalculável o armamento pesado. Basta lembrar que há mais de um milhão de homens em armas no norte e outros 600 mil no sul. além das armas nucleares do regime dos Kim. Somos a unidade mais bem treinada das Forças armadas da República da Coreia. Preparados para tudo, diz, num tom marcial, mas cheio de orgulho, o soldado Lim. Serve de guia a um grupo de jornalistas estrangeiros, que têm de obedecer a regras estritas no que diz respeito a movimentações e fotografias. apesar deste tipo de visitas ser habitual, e até há a hipótese de turistas virem até à DMZ, não deixa de ser uma fronteira perigosa e a verdade é que no outro lado da linha de demarcação um militar norte-coreano observa tudo o que se está a passar. No passado, houve mesmo incidentes graves em Panmunjom. Em 1976, por causa de uma tentativa de cortar uma árvore que impedia a visão de um posto de observação, um capitão americano foi morto à machadada por soldados norte-coreanos. E em 1984, aquando da visita de uma delegação soviética à parte norte, um homem atravessou a fronteira a correr para pedir asilo político ao sul e foi perseguido. Na troca de tiros, morreram vários militares. Oficialmente, Panmunjom é um campo da ONU, cujas forças entre 1950 e 1953 combateram pela Coreia do Sul. Mas hoje a esmagadora maioria dos militares aqui colocados são sul-coreanos, todos donos de um inglês impecável, no mínimo com 1,77 metros (diz-se que para não fazerem má figura junto dos americanos) e senhores de um cinturão negro de taekwondo, tal como Lim. a servir também de guia está um americano, o capitão Egee. Está na Coreia desde novembro e é de Nashville, no Tennessee. Estamos de certeza a ser vigiados por binóculos a partir dos postos de observação norte-coreanos. Nada de movimentos bruscos, alerta o capitão Egee. Continuam milhares de americanos em bases na Coreia do Sul para dissuadir nova tentativa de reunificação pela força, hoje improvável dadas as reticências russas e chinesas em apoiar o seu antigo aliado. E se parte da opinião pública sul-coreana preferia ver o país livre de tropas estrangeiras, há quem recorde que foi a américa e os seus aliados que travaram o comunismo. Em Busan, no extremo meridional da Coreia do Sul, situa-se o único cemitério da ONU no mundo. Seul, a capital sul-coreana, fica a 50 quilómetros da fronteira e durante a guerra de 1950-1953 foi conquistada duas vezes pelas forças do norte, apoiadas por voluntários chineses. É bizarro o quanto normal é ali a vida, num cenário de arranha-céus, ecrãs gigantes da Samsung e torres de igrejas (a Coreia do Sul é um dos países mais cristãos da Ásia).como se ninguém acreditasse nas ameaças bélicas de Kim Jong-un, o líder de um país empobrecido ainda que bem armado. ali está Kijongdong, indica o soldado Lim. É a aldeia norte-coreana mais próxima da linha de demarcação, não longe da ponte do não-retorno, que em 1950 serviu para trocar prisioneiros de guerra. Um mastro de 160 metros de altura mostra uma gigantesca bandeira norte-coreana. Na parte sul, há um mastro idêntico, mas de apenas 100 metros. Os governantes de Seul desistiram de competir nesse aspeto com o de Pyongyang. Preferem que a sul do famoso Paralelo 38 haja prosperidade em vez da penúria, e muito provavelmente também fome, que existe a norte.