Gina passara a vida a cuidar de alguém: desde os 16 anos cuidou do pai e dos irmãos após o falecimento da mãe; depois cuidou do marido, cuidou dos filhos, e nunca mais deixou de cuidar do filho mais velho
Gina passara a vida a cuidar de alguém: desde os 16 anos cuidou do pai e dos irmãos após o falecimento da mãe; depois cuidou do marido, cuidou dos filhos, e nunca mais deixou de cuidar do filho mais velhoGina era conhecida pelo seu passo apressado entre a casa, o trabalho, as escolas dos filhos e as atividades em que os integrara. ao falar deste tempo, as recordações sucedem-se-lhe em felicidade realizada. Nem sabe como não se cansava, mas olhando deste lado dos seus 78 anos, ainda recorda as tabelas de organização de tarefas diárias para que tudo se cumprisse pontualmente. Ser mãe era a sua vocação. Mas hoje, a sua mágoa é muita. É uma mágoa acumulada desde o dia em que foi diagnosticada ao seu filho mais velho, na altura com 18 anos, uma doença mental. a partir de então, a sua vida passou a ser um corre-corre sofrido, tentando satisfazer cada filho, mas sabendo que teria de ter uma atenção acrescida e sempre presente ao Zé. aquele rapazinho inteligente, educado e muito amado, tornou-se ofensivo e exigente, perdido em si mesmo, sem conseguir importar-se com as dores ou as alegrias de quem estava ao seu lado. Mas a mãe Gina estava sempre lá, apaziguando os seus conflitos e resolvendo as suas exigências Era um jogo interminável de preocupação e esperança de dias diferentes. Mas esses dias não chegavam, nunca! Contudo, mãe Gina continuava amando, cuidando e esperando. a violência do Zé contra ela impunha-lhe um estado de medo submisso e solitário. Mas ela continuava lá. Quem mais poderia cuidar dele? Os outros filhos queriam protegê-la e tirá-la de casa, libertá-la da vida com o Zé. Mas, olhando-os seguros e fortes, mãe Gina supõe que não precisam de si. Contudo, estava tão enganada. E viu o seu engano nos olhinhos chorosos do seu andrézinho: – Vóvó, se não vens à minha festa também não quero fazer anos!Só então Gina percebeu que a sua vida não pderia continuar a ser comandada pela doença do Zé. Cuidar do filho não era ficar doente com ele. Nem sequer era estar ausente da história dos outros filhos, dos netos e de todos quantos amava, até da vida… – por ordem do Zé – ou seria por decisão de si mesma!? Numa força de transformação que o amor faz acontecer, Gina questiona-se no seu jeito de viver. Nem foi muito difícil: bastou-lhe deixar-se acolher no colo generoso dos seus filhos, dos netos e de toda a família. O tempo da anulação a que se impusera precisava ser posto no passado. Gina, agora de passo lento mas com o coração a bater em galope, ao jeito de quem tem muita história a construir, senta-se à mesa da biblioteca do Centro de Convívio que passou a frequentar e inicia-se na escrita de um conto: o seu conto, procurando nos registos da sua memória um entendimento do seu percurso, decidida a aceitá-lo e remendá-lo.com este novo desafio, Gina reencontrou a sua vocação de mãe. agora não só é mãe do Zé: Faz questão de ser a mãe do Zé, do andré, do Ivo e da Isabel. E avó! agora do andrézinho e da Inês, e depois, sabe-se lá?! O que sabe é que enquanto estiver, estará com todos, realizando o melhor que sabe a sua vocação de Gina-mãe-avó.