No fantástico mundo das relações interpessoais, quando não se respeita o ato sagrado de construir relações livres, a convivência deteriora-se, pois é impossível gerar amor
No fantástico mundo das relações interpessoais, quando não se respeita o ato sagrado de construir relações livres, a convivência deteriora-se, pois é impossível gerar amorEu sou livre de fazer o que quiser com a minha própria vida disse um jovem descoberto em flagrante consumo de cocaína quando o seu pai entrou sem bater à porta do quarto. além da dor partilhada comigo pelos pais do rapaz, o que me causa maior tristeza nestes casos das adições é o facto de não se perceber pela parte dos dependentes, neste caso o rapaz, a dupla falta de liberdade que estas pessoas vivem. Primeiro, enganam-se quase de modo neurótico, dizendo que são livres quando não o são, depois, não aceitam que caíram num círculo vicioso que os mantém amarrados e com muito poucas possibilidades de se libertarem por si próprios. Tal como neste caso, há muitas histórias de vida onde o fator comum é a falta de liberdade e a falta de tomada de consciência desta situação de autoengano: pensar que se é livre quando na realidade não se é. Quero ser livre é o grito de milhões de pessoas, mas a questão fundamental é saber o que significa realmente viver em liberdade. São múltiplas as definições da palavra liberdade quando a queremos utilizar para justificar os nossos atos pessoais e sociais. atrevo-me a denunciar o mau uso, contraditório e ambíguo, que estamos habituados a fazer desta palavra. Na experiência do crescimento humano, a liberdade não é um facto, mas sim uma possibilidade ou um logro da pessoa humana. Noutras palavras, a liberdade deve ser conquistada independentemente dos obstáculos e condicionamentos a que estamos expostos. Ser uma pessoa livre significa ser sujeito e não objeto da própria vida. Não nos movemos por determinismo ou imposições como se mexe num móvel. São as razões e os propósitos conscientes que devem marcar a nossa existência. Em definitivo, a liberdade exige que cheguemos a ser nós mesmos, e por isso, na conquista de sermos pessoas livres, uma condição necessária é o autoconhecimento. Estou convencido de que, quanto mais me conheço, mais livre sou e mais aumenta o meu leque de possibilidades de conhecer a liberdade do outro, e portanto de construir relações livres. Há um ditado que é muitas vezes utilizado no mundo do direito, mas que eu não partilho quando é aplicado ao mundo das relações interpessoais: a minha liberdade acaba quando começa a liberdade do outro. acho que a liberdade não pode ser reduzida a um simples atributo individual, porque isso conduz irreversivelmente a uma liberdade estéril, solitária e escravizante. O jovem com dependência, descoberto pelos pais, é o reflexo desta falsa e estéril versão de liberdade. a verdadeira liberdade que torna livre a pessoa ultrapassa a barreira do individualismo e leva-a a compreender que a própria liberdade começa e se constrói com a liberdade dos outros, simplesmente porque somos com, por e para os outros. Portanto, a verdadeira liberdade começa quando e onde começa a liberdade do outro. Isto significa que somos chamados a reclamar e a lutar pela liberdade do outro para poder exercer a nossa, porque quando experimentamos a nossa liberdade, não podemos deixar de reconhecer a do outro. No fantástico mundo das relações interpessoais, quando não se respeita o ato sagrado de construir relações livres, a convivência deteriora-se, pois é impossível gerar amor. E sem amor o medo de perder as pessoas leva-nos a querer dispor delas, ficando assim escravos no vício do ter e conservar as pessoas, as ideias e o mundo material. Quem diz que ama, mas não é livre, engana-se, pois o amor só cresce no terreno fértil da liberdade.