« a conversa prolongou-se, recordando o Inácio, o senhor generoso e o pai amoroso. Neste reconhecimento e nos laços de afeto que ali se criaram entre o advogado e as duas irmãs, nascia uma nova história»
« a conversa prolongou-se, recordando o Inácio, o senhor generoso e o pai amoroso. Neste reconhecimento e nos laços de afeto que ali se criaram entre o advogado e as duas irmãs, nascia uma nova história»Sara era uma mulher grande e uma grande mulher. Tinha uma gargalhada sonante e um colo gigante. Estava habituada a apoiar os aflitos que recorriam à Segurança Social onde trabalhava. Era assistente social. Esta era a vocação que lhe enchia a alma: restituir a alegria e alimentar a esperança. O seu gabinete tinha a porta sempre aberta: lá, podiam entrar todos – e todos entravam: as colegas que queriam uma orientação ou um consolo, ou mesmo quando sentiam necessidade de ter simplesmente uma conversa amiga; pessoas que não sabiam a quem recorrer e que saíam de lá com mais brilho no olhar. Sara tinha tempo para tudo, mas sobretudo, tinha tempo para todos. Hoje Sara acompanha a irmã amélia ao escritório do advogado. O problema é sério e só um profissional experiente poderá ajudá-las: a casa que amélia comprara recentemente estava em situação ilegal e corre o risco de a perder, perdendo também o valor já entregue. O doutor Rui começou por querer perceber quem eram estas novas clientes e por que o escolheram:- Senhor doutor, estamos aqui por uma coincidência – explicou Sara. Um dia dei boleia a uma senhora que caminhava com dificuldade devido ao peso dos sacos que transportava. Estava chuva e disse-me que ia a pé para casa por não ter dinheiro para o autocarro. Contou que estava a ser ajudada num assunto de burla por um doutor Rui, muito bom, que estava a tentar restituir-lhe a casa. agora, neste problema da minha irmã, lembrei-me da conversa com aquela senhora e viemos procurá-lo. No decurso da conversa, o advogado identificou as duas irmãs como sendo filhas do Inácio, o senhor da mercearia onde ele ia tantas vezes em criança, acompanhado pela mãe, comprar a farinha, o arroz, o pão, tudo… Lembra-se que tantas vezes traziam as compras fiado até os pais terem possibilidade de pagar. Também se lembra de quanto gostava de ir àquele senhor: ele fazia-lhe uma festinha na cabeça, e, melhor: a mão grande do senhor Inácio deixava no seu bolso de menino uma mão cheia de rebuçados, justificando no meio de um sorriso generoso:- Toma, Rui! És um bom rapazinho, e não te esqueças de distribuir com os teus irmãos! O doutor Rui contava este episódio ainda comovido, reconhecido pela generosidade do senhor Inácio, não só pelos rebuçados mas por ter salvo tantas vezes a sua família de dias de fome. E afirma que essa generosidade fora determinante na possibilidade de ele ter feito o curso de direito e quanto o ensinou a ser o homem que é. a conversa prolongou-se, recordando o Inácio, o senhor generoso e o pai amoroso. Neste reconhecimento e nos laços de afeto que ali se criaram entre o advogado e as duas irmãs, nascia uma nova história: o problema de amélia seria assumido gratuitamente pelo doutor Rui. Sara olhou o céu. Um líquido quente enchia-lhe os olhos e no encontro com os raios de sol faziam-na ver o arco-íris como se viesse de dentro de si. Viu uma nuvem passar suavemente e disse baixinho uma oração para ser ouvida pelo pai: obrigada, Pai!