«O que o Papa Francisco nos diz é que é urgente abrir a porta para sair e a janela para deixar entrar ar renovado», afirma o arcebispo primaz de Braga, Jorge Ortiga
«O que o Papa Francisco nos diz é que é urgente abrir a porta para sair e a janela para deixar entrar ar renovado», afirma o arcebispo primaz de Braga, Jorge OrtigaFátima Missionária Que mudanças tem sentido com o Pontificado do Papa Francisco e que repercussões estas têm tido na Igreja, em particular na Igreja em Portugal? Jorge Ortiga a história da humanidade, e de consequência a história da Igreja, normalmente não se constrói por mudanças abruptas. Pelo contrário. De tempos a tempos parecem emergir novas ideias que suscitam atitudes diferentes e, face à sua natureza disruptiva, podem criar tensões, recusas ou demorar algum tempo a impor-se. Neste sentido, há um estilo que deve ser encarado na linha da continuidade. O Papa João Paulo II levou, na sua pessoa, a Igreja ao mundo. O Papa Francisco está a transportar o mundo, com as suas realidade concretas, para dentro da Igreja. Ele apostou na pastoral da saída e, paradoxalmente, apresentou a Igreja como uma companheira nos momentos mais frágeis do homem e uma voz profética contra a negação da dignidade humana. Em Portugal, e em todas as Igrejas particulares, a assimilação deste estilo vincadamente humano começa a dar os seus sinais. admito, todavia, que possa demorar algum tempo a impor-se. FM Como tem encarado os apelos lançados pelo Santo Padre para o interior da Igreja? E como tem reagido a essas interpelações? JO Os apelos do Papa para dentro da Igreja são mensagem a acolher. a Igreja está a atravessar um período de autoavaliação e a confrontar a sua consciência perante as suas doenças. Só que estas doenças pertencem a uma cultura dominante e a coragem de ir contracorrente não permite que se caminhe ao ritmo desejado. É fácil admirar e pretender imitar um gesto profético que chocou e impressionou. Mas a dificuldade maior está em multiplicá-lo no quotidiano. Várias forças adversas, vindas de dentro e de fora, podem bloquear este processo. Só a paciência de Deus fará com que a chuva do nevoeiro permeie a terra e produza frutos. as interpelações acolhem-se com entusiasmo e convicção. Só uma cultura imbuída de um espírito evangélico e humanizador poderá propor os seus critérios. Os analistas são unânimes em reconhecer que estamos num período de transição epocal. O problema é que os elementos que o caracterizam são bastante difusos, o que nos obriga a aguardar serenamente para percebermos em que terras nos movemos. No passado, a Igreja conseguiu inculturar-se e gerar uma sociedade identificada com os seus valores. Não sei até que ponto, no futuro, se conseguirá esta fusão ou se, pelo contrário, a Igreja não permanecerá no mundo como uma pequena luz, acolhida por alguns e rejeitada pela maioria. É este o testemunho do Papa Francisco. a sua palavra e os seus gestos começam a oferecer credibilidade à Igreja, mesmo que o mundo fique apenas na admiração externa. Mas a Igreja está na praça e ninguém ignora o seu valor. FM Os conceitos de proximidade, de uma Igreja mais missionária e em saída, proclamados pelo Papa Francisco, estavam adormecidos na Igreja? De que forma podem estas propostas refletir-se positivamente na comunidade cristã em Portugal? JO a Igreja soube sempre estar próxima dos mais necessitados. a história da solidariedade demonstra-o. Só que a excessiva identificação da Igreja com a sua hierarquia fez com que esta se tivesse fechado, em parte, dentro dos seus muros. O que o Papa Francisco nos diz é que é urgente abrir a porta para sair e a janela para deixar entrar ar renovado. Esta era a identidade da Igreja primitiva. Muitas iniciativas nasceram do coração da Igreja e os cristãos sabiam estar próximos das pessoas e dos dramas, num tempo em que imperava a resignação e o convite ao sofrimento. O reconhecimento da dignidade humana está, por sua vez, a exigir ao mundo inteiro, não apenas à Igreja, uma maior proximidade às pessoas. Não ignoramos, todavia, que o conceito de McLuhan da aldeia global transformou-se, em parte, numa quimera. É certo que por via das comunicações e dos transportes as pessoas parecem estar mais próximas. Mas, ao mesmo tempo, reconhecemos traços inequívocos de indiferença, egoísmo, do interesse pessoal, do anarquismo e um conceito de felicidade alicerçado no ter. Isso certamente não são traços típicos das relações na aldeia. Daí que hoje seja urgente e imperioso suscitar a cultura do encontro e reagir contra a indiferença. Creio que a vida do Papa passa muito por aqui.