Sem cair no pessimismo, considero que vivemos o nosso dia a dia segundo as estratégias do mercado que, na maior parte das vezes, procura explorar o lado «mais doente» do ser humano
Sem cair no pessimismo, considero que vivemos o nosso dia a dia segundo as estratégias do mercado que, na maior parte das vezes, procura explorar o lado «mais doente» do ser humanoTempos atrás, depois de ter passado nove dias a confessar e a partilhar a fé numa aldeia com mais de 10 mil cristãos na minha arquidiocese de Salta, na argentina, fiquei com uma leve sensação de que até nos lugares mais remotos do planeta, a globalização tem levado o espírito voraz da competitividade, até às pessoas mais simples. É impressionante ver como os reflexos de um mundo centrado na economia têm influenciado os valores humanos e cristãos a desvirtuarem o sentido de alteridade na construção do bem comum. Tenho a sensação de que nós, seres humanos, temos desenvolvido a praxis de procurar a todo preço vencer o outro, como se a vida fosse uma guerra de marcas. Queremos ser os donos da verdade, os que têm a última palavra e a última moda, e tudo isto sem nos importar com a humilhação e o desdém que provocamos à nossa volta. Confundimos facilmente vencer com convencer. Convencer consiste em respeitar o ponto de vista do outro, evitando procurar o controle, a manipulação ou a submissão. Quem percebe e vive a dinâmica do convencer sabe que a verdade não depende do status de quem pronuncia a palavra. Quem tem razão, seja no mundo familiar, educacional ou laboral, não é o mais forte, nem quem grita mais alto, nem muito menos quem desenvolveu o vício de pressionar, procurando vencer ou até anular o outro, se for possível. No mundo das relações interpessoais, por vezes dá-se o caso em que uma das partes conhece e sabe mais coisas do que a outra. Isto acontece sobretudo no mundo do ensino ou na relação pais-filhos. O que resulta errado nesta postura é a pessoa que se sente portadora do saber tentar, na maioria das vezes, romper a resistência que encontra no outro durante o processo de transmissão do seu saber. Para tal utiliza a sedução ou a força, mas isso não serve, porque é querer vencer. Não se cansar de interpelar a consciência, o sentido comum, a compreensão e a inteligência do outro é condição necessária para exercer a arte de ser mais convincentes nas nossas relações e formas de comunicar. É evidente que optar por este caminho não é fácil. Mas só isto nos dá a possibilidade de viver uma vida mais sã e construir um mundo melhor e mais equilibrado. Sem cair no pessimismo, considero que vivemos o nosso dia a dia segundo as estratégias do mercado que, na maior parte das vezes, procura explorar o lado mais doente do ser humano. O neuromarketing hoje tem a finalidade de revelar as nossas fraquezas mais escondidas para depois vendê-las ao depravado mercado do consumismo. Esta via desumana apresenta-se como mais fácil e eficaz, em detrimento do caminho que procura, com humildade e liberdade, interpelar, questionar, compreender os nossos gostos e desencantos para fazer escolhas mais acertadas na nossa vida. O mesmo acontece no plano das nossas relações quotidianas. Procuramos com frequência tocar o lado doente ou fraco do outro para o fazer sentir inferior, pecador, incompetente e deste modo poder exercer domínio sobre ele. Não será isso o desejo de querer vencer?Uma pessoa normal não tem só o seu lado débil, tem também o seu lado saudável, inteligente e sábio. É com este lado que devemos dialogar se queremos convencer alguém de alguma coisa. É com o nosso lado mais objetivo e equilibrado que estamos chamados a desenvolver a capacidade de saber escutar e saber entender. É o brilho nos olhos do outro, quando dialogamos e partilhamos com ele, que vai determinar se estamos ou não a convencê-lo. Só conhecemos aquilo que cativamos diz Saint-Éxupery no seu clássico livro O principezinho. No fundo, convencer nada tem a ver com o desejo de impor-se ao outro através de mil e uma artimanhas ou estratégias psicológicas de mercado, nem com atitudes falsas. Convencer tem a ver com o processo de conhecer o outro tal como ele é e dar-nos a conhecer tal como nós somos.