Um país é feito de tudo e de todos e quando é muito antigo, com nove séculos de história, a divisão expedita em saudável e em aterro tóxico não resulta mesmo
Um país é feito de tudo e de todos e quando é muito antigo, com nove séculos de história, a divisão expedita em saudável e em aterro tóxico não resulta mesmoao contrário do que se passa com um certo tipo de instituições, um país não pode ser dividido higienicamente em bom’ e mau’, por muito jeito que desse a uma gestão preocupada com a coisa pública, a sua eficiência e alinhamento com as melhores práticas de redução da dívida. Um país é feito de tudo e de todos e quando é muito antigo, com nove séculos de história, a divisão expedita em saudável e em aterro tóxico não resulta mesmo. Mas, mesmo assim, interroguemo–nos sobre o tema da tolerância.como estamos de tolerância na sociedade portuguesa? apetece logo pensar que deve haver uma parte do país, o país bom’, que é muito tolerante, compreende e aceita tudo e todos. E, claro, do outro lado estará o país mau’, muito intolerante que se recusa a olhar e a integrar tudo o que seja outros tipos de atitude ou de comportamento fora do habitual. Numa leitura mais tecnocrática poderíamos pensar ao contrário: no país bom’ ficava a intolerância, ou seja, haveria que ser impiedoso perante o erro, os desvios, a incapacidade de cumprir metas e, está bem de ver, remeteríamos para o país mau’ tudo o que fosse sentimentos piegas, fraquezas e solidões, inadequações de competências, inabilidade para focalização nas tarefas. Pois bem, por este caminho não vamos lá. O que os estudos sociológicos e de opinião nos vão dizendo é que a sociedade portuguesa tem vindo, no seu todo, a evoluir no plano das mentalidades, revelando capacidade de ler em tempo útil os sinais dos tempos, sendo capaz de aprender com a experiência e de reformular formas de vida, em quase todos os domínios: do económico ao cultural, do comunitário ao familiar. as últimas décadas têm vindo a transformar o rosto e a alma de um país, tendo os sistemas educativos e de saúde sido os instrumentos centrais de uma significativa requalificação dos cidadãos, capacitando-os para uma forma aberta de estar e, sobretudo, para uma orientação para os outros, para uma nova centralidade da relação interpessoal na esfera privada, do trabalho, da cultura e, mesmo, da política. Tendo na vanguarda das dinâmicas sociais os jovens adultos e as mulheres, Portugal tem vindo a ganhar uma base de sabedoria contemporânea que nos faz chegar à ideia de uma sociedade tolerante. Esta é uma tolerância assente no conhecimento, na atitude positiva face a uma vida desafiante. É uma tolerância oposta à indiferença, ao passar por entre a chuva, ao medo de existir, como tão bem descobriu o filósofo José Gil. Estamos mais tolerantes porque temos vivido mais, temos aprendido mais, temos experimentado mais. À medida que aprofundamos, diversificamos caminhos, ensaiamos soluções, trocamos pontos de vista, vamos descobrindo o sabor único da complexidade, inscrito na fundação do tempo. E isto é bom’. Somos todos o país bom’ e o país mau’, ao mesmo tempo, o que quer que seja que um e outro queiram dizer.