as campanhas de solidariedade lançadas pelas instituições caritativas conseguem minorar parte dos problemas dos portugueses mais indefesos. O escândalo está naqueles que lucram à conta da generosidade alheia
as campanhas de solidariedade lançadas pelas instituições caritativas conseguem minorar parte dos problemas dos portugueses mais indefesos. O escândalo está naqueles que lucram à conta da generosidade alheia

Todos os anos há instituições que fazem campanhas junto dos portugueses, quer através da recolha de alimentos, quer ainda pela doação de fundos feitos pelo sistema de chamadas de valor acrescentado. Recordamos, como exemplo, o Banco alimentar no programa da luta contra a fome, que recolhe alimentos nos supermercados, envolvendo milhares de voluntários que recebem, transportam, separaram e empacotam os produtos doados generosamente e que depois serão distribuídos a quem precisa. É um trabalho meritório e que deve ser enaltecido pela generosidade que as instituições e os seus colaboradores desenvolvem em prol dos mais carenciados, não esquecendo também tantos portugueses que, mesmo em dificuldades, dão o que podem. É uma forma de solidariedade que deve merecer sempre o nosso respeito e apoio.

Mas será bom refletir um pouco no reverso da questão. De acordo com as informações veiculadas pela televisão nos habituais espaços de telejornal, a última recolha feita pelo Banco alimentar foi de cerca de 2. 644 mil quilos de produtos. Vamos supor que cada quilo de alimentos doado custou 0,50E, multipliquemos pelo total recebido e teremos um valor de 1. 322. 000,00E (um milhão, trezentos vinte e dois mil euros) que foi a soma paga pelos generosos compradores nos hipermercados.

agora analisemos, na prática, quem ganhou. O hipermercado receberá à volta de 396. 000,00E, se a margem de lucro rondar os 30%, e o Estado cerca de 304. 000,00E, através do IV a (23% sobre os produtos). a pergunta inevitável surge com naturalidade: será que o Estado e os hipermercados não podiam baixar as suas margens para estes casos? a generosidade terá que ser suportada apenas pelas pessoas, ficando o Estado e os vendedores com os lucros?

Outro caso que merece reflexão. Recordam-se da campanha de solidariedade nacional a favor das vítimas do temporal na Madeira, feita pelo sistema de chamadas de valor acrescentado através da televisão? a informação dada pela RTP foi de que foram doados, pelos portugueses continentais, 2 milhões de euros aos madeirenses, o equivalente ao total de chamadas recebidas. No entanto a campanha rendeu 2. 880. 000,00E (dois milhões e oitocentos oitenta mil euros), mas porque foram enviados apenas dois milhões de euros, o que ficou pelo caminho?

É simples, voltemos a fazer contas. O preço da chamada era de 0,60E + IVa, o que dá 0,72E no total. O que por má-fé não se diz é que o donativo que deverá chegar (?) ao beneficiário madeirense é de apenas 0,50E por chamada.como é que isto acontece? a PT fica com 0,10E (17%) isto é a diferença dos 0,50E para os 0,60E, e o Estado com 0,12E (20%) referente ao IV a sobre 0,60E. Desta forma oferecemos 0,50E a quem precisa, mas cobram-nos 0,72E, ou seja mais 0,22E.

Nos dois casos citados verifica-se uma prática, que sendo legal, não passa de uma imoralidade gritante para os mais desprotegidos e um ultraje para centenas de milhares de pessoas de boa vontade que abrem o seu coração (e a bolsa) aos outros que estão em condições precárias.

acaso não cabe ao Estado dar o exemplo e até regular condignamente esta prática? Que as empresas não estejam interessadas em ser solidárias, mas unicamente em arrecadar lucros, ainda percebemos, mas que tal não seja regulado para estes casos concretos, não compreendemos.

Se atentarmos nos lucros obtidos quer pelo Estado, quer pelas empresas, verificamos que são valores que rondam quase os 50% amealhados à custa da generosidade dos portugueses para as causas referidas. Não é fácil encontrar palavras adequadas para exprimir a nossa repulsa pelo abuso destas entidades, porque a imoralidade tem um limite.