Ver o filho chegar naquele estado, noite após noite, e assumir o mesmo estilo de vida que ela viveu, era ver-se ao espelho no pior de si. Para não doer, evitava-o
Ver o filho chegar naquele estado, noite após noite, e assumir o mesmo estilo de vida que ela viveu, era ver-se ao espelho no pior de si. Para não doer, evitava-o a chave entrou na fechadura de forma demorada e incerta. Nélia olhou o relógio: três da manhã. – Obrigada, meu Deus! Chegou em salvamento!Tal como não se permitia dormir – nunca conseguia fazê-lo antes de alberto chegar a casa – também não se atrevia a levantar e ir falar com o filho: nem queria ver o estado em que ele chegava. a sua revolta era imensa. Sabia que estivera na rua, a destruir-se! Quanto desejou ter uma vida diferente com o filho: jantarem juntos, conversar sem que ele fugisse ou se ofendessem, fazer programas em conjunto, rir, ou simplesmente estarem juntos! Quanta saudade tem de lhe aconchegar os lençóis e de o afagar contra o peito! Fê-lo tão pouco! Enquanto alberto deambulava pela casa, tropeçando nos móveis e abrindo e fechando portas e gavetas, o pensamento de Nélia rodopiava, ora poisando o seu dedo acusador em alberto, ora apontando-o diretamente para si. Sabe que o modo de vida de alberto é também sua responsabilidade. O pior é não saber o que fazer para remediar o passado: não podia anular-lhe o desespero quando a discussão entre os pais estalava, ou a solidão de ver a mãe embriagada, ou ainda o choro pela mãe a meio da noite, sem resposta, porque a diversão da noite tinha sido para ela mais atrativa. Ver o filho chegar naquele estado, noite após noite, e assumir o mesmo estilo de vida que ela viveu, era ver-se ao espelho no pior de si. Para não doer, evitava-o. Deixava-o sozinho – como sempre! Sem conseguir adormecer, Nélia decide que não pode continuar nestes lamentos sem nada fazer. Desistir do filho e pensar agora em si, foi o que todos a aconselharam e está a dar resultado: está a tratar-se da depressão e do alcoolismo, cuida da sua imagem, cuida da alimentação, passou a encontrar-se com amigas. agora, já se sente pessoa e com esperança no futuro. Mas, alberto estraga tudo, costuma queixar-se. Hoje, reolhando para a vida de ambos, decidiu que não vai mais abandonar o filho. Não vai permitir-se acreditar que ele não tem solução. Se ela vê nos erros de alberto o espelho dos seus, também pode ver nas suas próprias conquistas o espelho das possibilidades do filho. E vai lutar tanto por isto que ele vai encontrar a mãe que no passado procurou e não encontrou. Se ela foi capaz de acordar de um pesadelo, porque não ele? E que melhor forma de viver do que ajudar alguém a viver?Nasceu o sol. Nélia levantou-se decidida a criar mudança. Espreitou o quarto de alberto. Deitado sobre a cama ainda com o vestuário com que chegara, era a imagem do abandono de si. Nélia não sente a revolta habitual. ao contrário, sente-se desafiada a cuidar do filho, com vontade de o abraçar. Cobre-o carinhosamente com uma manta e passa-lhe a mão pelos cabelos, como nos seus sonhos. Está a experimentar em si um amor que desconhecia. Descobri-lo esta manhã foi a coisa mais maravilhosa que lhe aconteceu. Quer que o filho o sinta também! Quando ele acordar, saberá que a mãe cuidou dele durante a noite. E o bom dia que a mãe lhe dará, inesperado, vai dar-lhe cor ao dia – porque será acolhido tal como é, e em paz! E porque ela não desiste, um dia, também alberto descobrirá em si a medida do seu amor e quanto ele transforma!