José Ponce de Léon, bispo de Manzini, Suazilândia, fala das limitações ao exercício do ministério pastoral num país governado por um rei e explica as dificuldades em lidar com os programas de prevenção da Sida
José Ponce de Léon, bispo de Manzini, Suazilândia, fala das limitações ao exercício do ministério pastoral num país governado por um rei e explica as dificuldades em lidar com os programas de prevenção da SidaEm mais de três décadas, José Ponce de Léon é o primeiro bispo branco de Manzini, a única diocese da Suazilândia, um pequeno país da África austral, que faz fronteira com Moçambique e África do Sul. a democratização do acesso à escola e o combate à propagação da Sida são algumas das suas novas frentes de batalha. Fátima Missionária a Igreja Católica na Suazilândia tem uma presença muito jovem. É um terreno fértil para evangelizar? José Ponce de Léon Os primeiros missionários católicos chegaram à Suazilândia há cem anos.como o país não nasceu católico, mas protestante, os católicos são apenas cinco por cento da população. Mas é uma Igreja respeitada pela quantidade de projetos que leva por diante. Temos umas 40 escolas católicas, um hospital que é dos melhores, sete clínicas, um albergue para doentes terminais e com Sida e um centro de refugiados, financiado pela ONU, mas dinamizado em parceria com o governo. FM Como é a relação com as autoridades governativas? JPL Digamos que a Igreja Católica se mantém sempre como um local de encontro. a Suazilândia é uma monarquia. E o ano passado o rei definiu o sistema político como uma monarquia democrática. Porque não há partidos políticos – foram proibidos em 1973 – mas há eleições, e as pessoas propõem-se como candidatas e são eleitas para o parlamento. Mas sendo uma monarquia, o rei tem a última palavra sobre a legislação. FM Há liberdade para a Igreja fazer o seu trabalho? JPL Sim e não. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, um grupo de igrejas cristãs organizou um encontro de oração pela paz, na catedral católica. a polícia entrou no templo, disse que aquilo não era um encontro de oração, mas uma reunião relacionada com as eleições e mandou sair toda a gente. Ocasionalmente, também nos cruzamos com a polícia na rua, quando sabem que temos reuniões. Mas creio que houve um gesto muito significativo por parte do governo, na minha tomada de posse como bispo. Todo o executivo estava representado. O delegado do rei, o primeiro-ministro e o ministro do interior. No final da missa, todos teceram grandes elogios ao trabalho da Igreja Católica, pela quantidade de projetos que desenvolve. FM O país regista a maior taxa de doentes com Sida do mundo. Falta prevenção ou há comportamentos de risco a mais? JPL ao contrário do que acontece noutros países, na Suazilândia em 99 por cento dos casos, a transmissão é por via sexual. É um problema para o qual não existe uma varinha mágica, porque há uma cadeia de acontecimentos que torna muito difícil lidar com o tema. Por exemplo, agora acontece muito os homens de idade, com recursos económicos, saírem com raparigas jovens, sem recursos. Há preservativos por todo o lado, mas não consegue controlar-se a propagação, porque há uma série de elementos culturais e pressões sociais, numa geração de famílias que cresceram sem pai. FM Segundo dados da ONU, o índice de mulheres infetadas, entre os 25 e 29 anos, atinge os 56 por cento. JPL a mulher sofre mais do que o homem. Por exemplo, diz-se que a circuncisão reduz o risco de transmissão de Sida. E tem havido várias campanhas de circuncisão, que são importantes, mas têm originado outro problema: o homem pensa que já fez a sua parte e assume comportamentos sexuais de risco que aumentam a transmissão. Por outro lado, criou-se o mito que a Sida se cura tendo relações sexuais com uma mulher virgem. E isto significa pôr em risco muita gente. FM Tendo em conta que 69 por cento da população vive no limiar da pobreza, tudo se torna mais complicado? JPL Claro. Seguindo uma tradição do meu antecessor, em janeiro, passei oito horas no gabinete, recebendo pessoas que iam pedir ajuda para pagar a escola. Dormiram na rua toda a noite, esperando para me ver às oito da manhã e contarem a sua história, geralmente relacionada com famílias que assumiram órfãos, filhos de parentes ou de vizinhos e agora não têm recursos para pagar a escola. Foi uma coisa que me impressionou muito, porque uma das nossas preocupações é fazer com que uma boa educação não seja privilégio dos que têm dinheiro. FM Um bispo consegue continuar a ser missionário? JPL Eu dizia sempre que o Papa não devia fazer bispo um missionário da Consolata. Porque temos disponibilidade para ir para qualquer parte do mundo e um bispo tem que ter estabilidade num lugar. Mas é esta disponibilidade, este carisma, que nos dá sensibilidade para todas as situações de consolação. Quando fui nomeado bispo na África do Sul, nos primeiros dois anos visitei todas as capelas (75) e fiz-me presente. agora estou a fazer o mesmo na Suazilândia. Creio que é este espírito que nos distingue. Não somos os típicos bispos de gabinete. Temos uma dimensão de administração que é inevitável, mas em geral, temos a vontade de ir e de nos fazermos presentes em cada lugar e as pessoas valorizam muito estes encontros.