«Nota-se o incómodo de alguns conservadores com as palavras quase desabridas, mas o entusiasmo de muitos que estavam desiludidos com a fé é evidente e sente-se nas conversas de café»
«Nota-se o incómodo de alguns conservadores com as palavras quase desabridas, mas o entusiasmo de muitos que estavam desiludidos com a fé é evidente e sente-se nas conversas de café»O último ano foi atípico nas notícias sobre a Igreja Católica. De notícias de pedofilia, histórias de lavagem de dinheiro ou lamentos quanto à falta de abertura ao uso de preservativo ou mulheres ordenadas passou-se para uma relação quase idílica entre a Igreja e os media. a razão? Uns dizem que é o novo Papa. Eu direi mais: é uma nova Igreja. Porque num tempo em que o parecer é mais importante do que o ser, a forma como revelamos o que somos define a nossa identidade. O tempo dos homens não é o tempo de Deus, mas a Igreja também se move entre os homens. E o Vaticano II, como uma boa mancha de óleo, a pouco e pouco alastrou a toda a Igreja, exceto, curiosamente, à sua cúpula. a maior parte dos seus elementos preferiam falar entre si, com discursos e homilias quase em código, repetindo análises exegéticas de textos bíblicos. Ora, Francisco trouxe essa modernidade no discurso. Deixou de discursar na língua morta das figuras de estilo dos seus antecessores. Faz piadas simples que todos entendem, como a referência às sogras no Dia dos Namorados. Leiloa ofertas de fiéis. Condena atentados em poucas horas. Torce por um clube de futebol. Prescinde de seguranças. Enfim, comporta-secomo o convidado de sonho de um talk-show televisivo. E, pelo meio, vai dando outros sinais, como a anunciada reforma da Cúria. Mas o que fica, do seu primeiro ano, é um discurso novo. Hoje em dia, os católicos já não se sentem envergonhados na conversa do dia a dia com não-crentes. Nota-se o incómodo de alguns conservadores com as palavras quase desabridas, mas o entusiasmo de muitos que estavam desiludidos com a fé é evidente e sente-se nas conversas de café. Perante isto, o estado de graça mediático de Francisco está para durar. Enquanto existir, os jornalistas do mundo continuarão enamorados por ele. E aquelas ovelhas que estavam no limite do rebanho virão responder, a pouco e pouco, à voz do seu pastor. Num governo diz-se que o estado de graça dura a primeira metade do mandato (dois anos). Ora, numa Igreja com um peso de séculos, acredito que esse prazo inconsciente dado pelos media será ainda maior. Desde que não dê sinais de frustrar as expetativas dos fiéis, diria que Francisco terá latitude para introduzir as mudanças que considere necessárias na Cúria e na hierarquia. Porque foi esse discurso novo do primeiro ano que lhe garantiu margem de tolerância do mundo para os novos passos que irá dar.