O tema do desenraizamento cultural é relativamente recorrente. Em particular, quando se observa o facto macroscópico da deslocação de grandes massas populacionais das periferias
O tema do desenraizamento cultural é relativamente recorrente. Em particular, quando se observa o facto macroscópico da deslocação de grandes massas populacionais das periferiasO modo como hoje se pode pensar o encontro de culturas alterou-se substancialmente. De certa maneira, ainda estamos habituados a pensar nas culturas como uma geografia de distâncias ou como um sistema de conjuntos delimitados. Mas, mais do que nunca, as culturas não podem ser pensadas como contextos compactos e homogéneos. Em parte, o que tentamos descrever com o termo globalização, no contexto das sociedades contemporâneas, corresponde a uma profunda alteração das escalas do global e do local – portanto, uma ampla complexificação dos fluxos culturais, promovendo, numa grandeza até agora desconhecida, a possibilidade de criação de vastos espaços interculturais. Numa ordem objetiva, o conceito de globalização pode designar o crescendo de interdependências que as sociedades humanas têm vindo a conhecer. Num plano subjetivo, o conceito tende a cobrir aqueles factos que apontam para a presença, no quotidiano dos indivíduos, de uma consciência intercultural numa escala planetária. Não abdicando de alguma desconfiança acerca do conceito de globalização – sobretudo quando ele se reduz à exaltação dos novos determinismos económicos e se transforma, assim, em nova ideologia de dominação -, vale a pena sublinhar que as várias transformações que hoje afetam a ordem do local e do global nos conduzem, de imediato a duas verificações: por um lado, multiplicam-se espaços de encontro entre diversas culturas, facto que promove novos reajustes no convívio entre diferentes tradições e novas formas de mestiçagem cultural; por outro, a mundividência global tanto pode favorecer a ampliação dos fenómenos de individualização e destradicionalização, como pode acompanhar diferentes itinerários de endurecimento das identidades religiosas, veículo de resistência à pressão do desenraizamento cultural. as culturas contemporâneas vivem desse paradoxo. O tema do desenraizamento cultural é relativamente recorrente. Em particular, quando se observa o facto macroscópico da deslocação de grandes massas populacionais das periferias. a este propósito se tem falado de crise da capacidade de identificação simbólica, capacidade que permite aos indivíduos reconhecer-se e distinguir-se. O desenraizamento de que se fala promove o desmoronamento das imagens estáveis do mundo, os reservatórios das representações coletivas, afetando a confiança nas instituições e promovendo um certo relativismo religioso centrado no indivíduo. Dinamismos missionáriosSe observarmos o crescimento das Igrejas cristãs de tipo neopentecostal, percebemos que os seus métodos de evangelização se concentram em processos facilitadores da conversão individual. a sua pregação dirige-se aos indivíduos que vivem as diversas fraturas das múltiplas modernidades (sim, porque há sociedade que não tenha sofrido, de algum modo, o impacto da expansão das estruturas da modernidade – urbanização, individualização, industrialização e terciarização, mercado, etc. ). Não encontramos nessas Igreja o rasto de uma apologia da evangelização das culturas. a sua palavra não se dirige às culturas, antes aos indivíduos na sua situação de desenraizamento. Mas vale a pena perguntar se este anúncio desculturalizado poderá ser o que evangelicamente se exige, uma semente capaz de transformar por dentro os modos de habitar o mundo (uma maneira de falar metaforicamente de cultura). Neste novo contexto, os dinamismos missionários terão de abandonar os modelos do velho culturalismo, onde se supunha que os indivíduos poderiam ser explicados exaustivamente pela sua cultura. assim, na medida em que se substituíssem objetos e práticas ou se traduzissem mensagens, o anúncio estaria a fazer o seu caminho. a nova atenção dada aos indivíduos e comunidades, enquanto interlocutores da missão, decorre da irredutibilidade da sua experiência (individual e comunitária). Mas uma missão desculturada implicaria também a impossibilidade de o cristianismo receber, da diversidade das culturas, a oportunidade de descoberta de novas formas (inculturadas) de ler a novidade da memória cristã. *Centro de Estudos de Religiões e Culturas