Custa-me aceitar que se trace uma relação ‘causa-efeito’ entre a vivência do Natal e a situação de crise em que o país está mergulhado
Custa-me aceitar que se trace uma relação ‘causa-efeito’ entre a vivência do Natal e a situação de crise em que o país está mergulhadoSabemos, por experiência própria, que a situação financeira da maioria das famílias portuguesas é de grande vulnerabilidade. Nos dias que hoje vivemos qualquer português tem, no seu seio familiar ou na sua roda de amigos, alguém a viver a experiência do desemprego. O recrudescimento deste flagelo social tem contribuído para o empobrecimento da sociedade portuguesa. É certo que as mesas de milhares de lares lusos estarão neste Natal menos recheadas, devido ao baixo poder de compra. É certo que os brinquedos tão desejados pelas crianças e tão decisivos para a alegria natalícia, poderão não estar em muitas chaminés na manhã do 25 de dezembro. Tudo isto torna a vivência do Natal menos intensa? Menos verdadeira? Quando falamos do Natal, enquanto celebração cristã, não podemos condicionar as razões do nosso júbilo e de, no mais profundo do ser, nos sentirmos em festa pela grande aventura que Deus quis viver ao assumir a nossa condição humana, para nos aproximar mais do divino. Este é o desafio que nos coloca a crise e as medidas de austeridade: viver o Natal em plenitude deixando de lado a sua dimensão hedonista e comercial. arriscaria a dizer que a vivência do Natal pode ajudar-nos a lançar um olhar diferente sobre estes tempos tão, duramente, exigentes. Isto porque, de algum modo, se sente também como os portugueses estão determinados a sobreviver à crise, a acreditar. Cristãos e não cristãos, homens de boa vontade, querem acreditar, querem ter e viver com os olhos no futuro. Ora, para nós cristãos, o Natal é a grande festa da esperança e da paz. Na Cáritas, iniciamos a Operação 10 Milhões de Estrelas – Um Gesto pela Paz, uma iniciativa que enaltece os valores da justiça e da solidariedade como meios indispensáveis para se alcançar a paz. O Natal desafia-nos a viver a nossa vida voltados para o outro. Sendo e estando presentes na vida dos outros, na vida da comunidade, na vida do bairro. Desafia-nos a ser e a construir o verdadeiro bem comum. Isto constrói-se a partir de dentro, a partir de quem somos, da nossa identidade. Não são, no meu entendimento, a crise financeira e as medidas de austeridade que podem abalar, irremediavelmente, a construção deste património coletivo que é a humanidade – a família humana. acredito, sim, que temos as condições para, em família e em comunidade, vivermos o Natal naquilo que ele tem de mais essencial e verdadeiro. Temos condições de viver e ser sinais de esperança e de fé para este mundo que Deus amou tanto que lhe enviou o Seu próprio Filho (Cfr Jo 3, 16).