Nas vésperas de partir para Colónia, o Papa dá a primeira entrevista do seu pontificado, onde reafirma a actualidade e a juventude da Boa Nova cristã.
Nas vésperas de partir para Colónia, o Papa dá a primeira entrevista do seu pontificado, onde reafirma a actualidade e a juventude da Boa Nova cristã. P. – Santidade, em 25 de abril, Vossa Santidade afirmou: Eu estou feliz por ir a Colónia. Feliz, porquê?

R. – Por várias razões. ante de mais, eu passei anos muito bonitos na Renânia, e dá-me prazer poder partilhar de novo o espírito da Renânia, desta cidade aberta ao mundo e a tudo aquilo que lhe está ligado. além disso, porque a Providência quis que a minha primeira viagem ao estrangeiro me levasse exactamente à alemanha. Eu nunca teria ousado organizá-la por minha iniciativa! Mas porque foi o bom Deus, Ele mesmo, que assim decidiu, nós temos o direito de nos sentirmos felizes!
Por outro lado, esta primeira viagem ao estrangeiro é um encontro com os jovens de todo o mundo. Reencontrar os jovens é sempre belo, porque mesmo que eles tenham numerosos problemas, eles levam consigo uma grande esperança, muito entusiasmo, expectativas. Junto dos jovens encontra-se a dinâmica do futuro! Sai-se sempre revigorado de um encontro com os jovens, mais alegres, mais abertos. Eis algumas das razões que, dia após dia, fortaleceram em mim e, certamente, não enfraqueceram a minha alegria.

P. – Santidade, que mensagem particular tendes intenção de dirigir aos jovens que, do mundo inteiro, irão a Colónia? Qual é a coisa mais importante que desejais transmitir-lhes?

R. – Eu queria fazer-lhes compreender que é belo ser cristão! Há uma ideia muito generalizada que os cristãos devem obedecer a numerosos mandamentos, proibições, princípios e outras coisas do mesmo género. Por conseguinte, o cristianismo é cansativo, difícil de viver e que já não se é livre de todos estes fardos. Eu, pelo contrário, queria fazer-lhes compreender que estar apoiado por um grande amor e por uma revelação, não é um fardo: isso dá asas e é belo ser cristão. Esta experiência abre-nos os horizontes, mas sobretudo dá-nos o sentimento de viver numa comunidade. Quer isto dizer que, enquanto cristãos, nós nunca estamos sós. Em primeiro lugar, Deus está sempre connosco; e, depois, nós, entre nós, formamos sempre uma grande comunidade, uma comunidade em caminho, que tem um projecto para o futuro. Por tudo isso nós vivemos uma vida que vale a pena ser vivida. a alegria de ser cristão: é belo e é bom acreditar.

P. – Santo Padre, ser Papa quer dizer ser construtor de pontes – Pontifex exactamente. a Igreja assenta sobre uma sabedoria antiga, e Vossa Santidade irá encontrar uma juventude que, sem dúvida, tem muito entusiasmo, mas que em matéria de sabedoria tem ainda muito caminho a fazer Como é que se pode construir pontes entre esta sabedoria antiga – a começar pelo próprio Papa, que tem uma certa idade – e a juventude? Como é que se faz?

R. – Veremos até que o ponto o Senhor me quererá ajudar nesta missão! Dito isto, a sabedoria não é uma coisa que cheire a bafio – em alemão, associam-se as duas coisas! a sabedoria, tal como eu a entendo, consiste sobretudo em saber compreender o que é importante, em saber o que é essencial. É evidente que os jovens devem ainda aprender a viver a sua vida. Eles querem descobri-la sozinhos, não querem que lhes mastiguem o trabalho. até se pode ver nisto uma contradição.
Mas, ao mesmo tempo, a sabedoria ajuda a interpretar o mundo, que é sempre novo, porque, mesmo em contextos diferentes, ela conduz-nos sempre ao essencial e à maneira de pôr em prática o essencial. Neste sentido, eu penso que falar, acreditar e viver partindo daquilo que foi dado à humanidade e que a iluminou, não é um um caldo azedo, mas, antes pelo contrário, algo que tem a ver com a dinâmica da juventude, que exige ideias grandes e totais. Eis o que é a sabedoria da fé: isto não quer dizer que se tenha de conhecer muitos detalhes, o que é necessário numa profissão, mas ver, para lá dos pormenores, o essencial da vida, como ser Pessoa, como construir o futuro.

P. – Vossa Santidade disse, e a frase foi retomada: a Igreja é jovem, não é uma coisa velha. Em que sentido?

R. – Para começar, num sentido estritamente biológico, pois que muitos jovens fazem parte dela. Mas a Igreja é jovem também porque a sua fé brota da fonte de Deus, da fonte de onde vem tudo o que é novo e renovador. Não se trata de uma sopa aquecida e requentada, que nos é proposta há 2000 anos. Porque o próprio Deus está sempre na origem da juventude e da sua vida. E se a fé é um dom que vem d’Ele – a água fresca, que nos é continuamente oferecida, aquela que nos permite viver e que nós podemos insuflar como força vivificante nos caminhos do mundo, então isto quer dizer que a Igreja tem a força de rejuvenescer. Um dos Padres da Igreja, que contemplava a Igreja, fazia notar que, ao correr dos anos, ela não envelhecia, mas ao contrário tornava-se sempre mais jovem, porque vai sempre ao encontro do Senhor, sempre mais ao encontro desta fonte de onde brota a juventude, a novidade, o reconforto, a força fresca da vida.

P. – Vossa Santidade conhece a Igreja alemã melhor que eu. O ecumenismo é uma das questões fundamentais, a unidade da Igreja sobretudo entre a Igreja católica e as Igrejas evangélicas. Talvez haja a esperança utópica de que a Jornada Mundial da Juventude possa marcar uma mudança neste campo. Que lugar terá o ecumenismo em Colónia?

R. – Este lugar existe na medida em que a tarefa da unidade diz respeito a toda a Igreja e não se trata de uma tarefa qualquer, marginal. Se a fé é vivida e tratada de uma maneira central, ela constitui em si mesma um impulso para a unidade. Efectivamente o diálogo ecuménico, em si mesmo, não está na agenda de Colónia.
Colónia é essencialmente um encontro de jovens católicos de todo o mundo e com jovens que não são católicos, mas que desejam saber se podem encontrar no meio de nós uma resposta para as suas interrogações. Portanto, eu imagino que esta dimensão ecuménica possa estar presente sobretudo nos encontros entre jovens: os jovens não falam apenas com o Papa, mas encontram-se também entre eles.
Eu próprio terei ocasião de encontrar-me com os nossos irmãos evangélicos: infelizmente não teremos muito tempo porque a agenda está muito cheia; mas o encontro dar-nos-á a ocasião de ver como queremos avançar no futuro. Recordo-me muito bem e com prazer da primeira visita de João Paulo II à alemanha, em Mayence. Estavam sentados à volta da mesma mesa, ele e os representantes da comunidade evangélica. Discutiam o modo de proceder. Foi após este encontro que foi criada a comissão que está na origem da Declaração de augsburgo, sobre a justificação. Eu creio que é importante que nós tenhamos sempre a peito a unidade. Ela deve ocupar um lugar central na nossa maneira de ser cristãos e não apenas por ocasião dos nossos encontros. Por tudo isso o que nós pudermos fazer, a partir da nossa fé, terá sempre um significado ecuménico.

P. – Santidade, infelizmente, nos nossos países ricos do Norte, regista-se um afastamento da Igreja e da fé em geral, sobretudo por parte dos jovens.como lutar contra esta tendência? Ou, antes, como dar respostas à procura de sentido para a vida – Que sentido dar à minha vida? – por parte dos jovens, para fazer de maneira a que eles possam dizer: Eis o que nos convém: a Igreja!?

R. – Evidentemente que nós procuramos apresentar o Evangelho aos jovens de maneira a que eles digam: Eis a mensagem que nós esperávamos!. Também é verdade que na nossa sociedade ocidental moderna há numerosos pesos que nos afastam do cristianismo. a Igreja aparece muito afastada; até Deus aparece muito afastado a vida, pelo contrário, está cheia de ocasiões e de deveres e, fundamentalmente os jovens querem ser donos da sua própria vida, querem vivê-la até ao máximo das suas possibilidades. Eu penso no filho pródigo que achava que a sua vida era fastidiosa em casa de seu pai: Eu quero viver a minha vida toda, aproveitar o máximo!. Mas depois apercebeu-se que a sua vida ficara vazia e que na casa de seu pai era livre e grande!
Eu creio que os jovens começam a dar-se conta que os divertimentos que lhe são oferecidos, todo o mercado de lazer, tudo o que se faz, tudo o que se pode fazer, que se pode comprar e vender, enfim, que isso não pode ser o tudo. Em qualquer lado deve haver um mais! E então chega-se à grande questão: O que é essencial? Não pode ser o que nós temos e podemos comprar!. Eis então o mercado das religiões, que de certo modo também oferece a religião como uma mercadoria e que, por conseguinte, a degrada, certamente. Isto prova que há uma expectativa. É preciso ver esta procura e não ignorá-la, não pôr de lado o cristianismo como uma coisa que já fez o seu tempo. Mas fazer de maneira que ele possa ser compreendido como uma ocasião sempre nova, porque vem de Deus, que esconde e revela, sem cessar, em Si mesmo novas dimensões.
Na realidade, o Senhor diz-nos: O Espírito Santo mostrar-vos-á coisas que eu agora não vos posso dizer!. O cristianismo está cheio de dimensões que ainda não foram plenamente reveladas e apresenta-se sempre fresco e novo, se o nosso problema vem do mais profundo. Em certo sentido é o encontro entre a questão que nós nos colocamos e a resposta que já possuímos. Esta resposta recebemo-la de uma maneira sempre renovada e directamente, graças a esta questão. Eis o que deveria ser este acontecimento: o encontro entre o anúncio do Evangelho e a juventude.

P. – Tenho a impressão que a Europa está a renunciar a ela própria, aos valores fundados sobre o cristianismo e até aos valores humanos, que estes contam sempre menos. Os europeus revelam um certo cansaço, ao passo que os chineses, por exemplo, ou os indianos mostram uma grande vitalidade. Nós evocámos as raízes cristãs, a propósito sobretudo do tratado constitucional da União Europeia. a Europa está em crise. Vossa Santidade acha que um evento como a jornada mundial da juventude, a que deverá participar um milhão de pessoas, possa dar um novo impulso à procura das raízes cristãs, sobretudo por parte dos jovens, a fim de que nós possamos todos continuar a viver de uma maneira humana?

R. – Esperamos que sim. Um encontro deste género, entre pessoas que vêm de todos os continentes, deveria dar um impulso novo ao velho continente que o acolhe. Deveria ajudar-nos não só a ver o que há de doente, de cansado, de falhado na história europeia -não esqueçamos que estamos numa fase de auto-comiseração, de auto-condenação. Em todas as histórias há períodos de doenças, mesmo na nossa história que conseguiu grandes progressos técnicos, estas doenças adquirem um significado ainda mais dramático.
Porém devemos também considerar o que houve de grande na Europa! Hoje o mundo inteiro inspira-se, de certo modo, na civilização que se desenvolveu na Europa. Isto não seria possível se esta civilização não tivesse tido raízes muito profundas. Hoje não temos senão isto para oferecer. Mas o que se passa é que nós queremos encontrar outras raízes e acabamos por cair numa contradição.
Eu penso que esta civilização, com todos os seus perigos e as suas esperanças, só poderá ser dominada e conduzida à sua grandeza se ela aprender a reconhecer as origens da sua força; se conseguirmos de novo contemplar esta grandeza, para que ela possa reorientar e restituir a grandeza ao próprio facto de ser homem, que hoje é tão gravemente ameaçado; se nós conseguirmos ser, novamente, felizes por viver neste continente que marcou o destino do mundo – para o bem e para o mal. Por isso nós temos o dever permanente de redescobrir a verdade, a pureza, a grandeza, e inspirar-nos a determinar o nosso futuro, para nos posicionarmos de uma maneira nova e, talvez, melhor ao serviço de toda a humanidade.

P. – Uma última questão. Qual é o objectivo ideal, que se poderá atingir, graças à Jornada Mundial da Juventude, de Colónia, se tudo correr da melhor maneira?

R. – Certamente que um vento de fé nova passa sobre a juventude, sobretudo sobre a juventude alemã e europeia. Na alemanha ainda há hoje grandes instituições cristãs. Os cristãos desenvolvem ainda boas obras. Mas há também um grande cansaço. Nós estamos de tal modo ocupados em resolver problemas estruturais, que já não sentimos o entusiasmo e a alegria que nos vêm da fé. Se esta lufada de ar fresco conseguisse fazer-nos reviver a alegria de conhecer a Cristo, se conseguisse dar um novo entusiasmo à Igreja da alemanha e de toda a Europa, nós poderíamos dizer que a Jornada Mundial da Juventude teria conseguido a sua finalidade.

P. – Santidade, nós agradecemos de todo o coração este colóquio e desejamos a Vossa Santidade todo o bem possível e a bênção de Deus para os dias exaltantes, apesar de cansativos, que vos esperam em Colónia.

R. – Obrigado.