Começou com Bento XVI, primeiro Papa a renunciar em sete séculos. Depois foram a rainha Beatriz da Holanda e o emir do Qatar. agora, também alberto II decidiu que era tempo de deixar de ser rei dos belgas. Em cinco meses, quatro abdicações. Porquê?
Começou com Bento XVI, primeiro Papa a renunciar em sete séculos. Depois foram a rainha Beatriz da Holanda e o emir do Qatar. agora, também alberto II decidiu que era tempo de deixar de ser rei dos belgas. Em cinco meses, quatro abdicações. Porquê?Para o Vaticano, a saída de Bento XVI da chefia da Igreja Católica deve ser definida como renúncia, mas a imprensa mundial não teve dúvidas em falar de abdicação, relembrando que ao poder religioso os papas somam um poder temporal que vem pelo menos desde a criação dos Estados Pontifícios no século VIII e que sobrevive até hoje no estatuto de independência dos 44 hectares encravados em Roma. Mas, para lá da semântica, existe a raridade da decisão de Bento XVI, pois há sete séculos que não se dava a renúncia de um Papa. Uma raridade que contrasta com a quase normalidade da abdicação de Beatriz, a rainha da Holanda, que tal como a sua mãe, Juliana, e a sua avó, Guilhermina, preferiu passar a coroa ao herdeiro antes que surgissem sinais de debilidade. aliás, no caso da Holanda, a novidade é o rei ser um homem, Guilherme alexandre, pois o último monarca masculino datava do século XIX. O contraste entre a saída de Bento XVI e a de Beatriz serve bem para ilustrar não haver uma regra na vaga de abdicações que tem marcado 2013, pois além do Papa, que anunciou a renúncia em fevereiro, e da monarca holandesa, substituída em abril, aconteceram também as passagens de testemunho do emir do Qatar e do rei da Bélgica. O que motiva os poderosos a deitarem a toalha ao chão? Num ensaio no jornal francês ‘Le Monde’, Julie Clarini e Stéphanie Le Bars hesitam entre a humildade e o orgulho da renúncia, para acrescentarem que só aquele que tem o poder pode pretender abandoná-lo: é um caso de decisão pura, reservada a alguns indivíduos em funções supremas. E notam que até em república existem exemplos de abdicação. É o caso de Charles De Gaulle, o homem que encabeçou a França Livre na Segunda Guerra Mundial e que em 1969, sendo Presidente da República, decidiu anunciar a sua demissão a 28 de abril, com efeitos hoje ao meio dia. Procurando na história, é emblemático Carlos V, o soberano mais importante da Europa no século XVI, que em 1555 abdicou de ser rei de Espanha e imperador germânico. Proclamou-se assim mestre do tempo e mestre da sua morte, que aconteceria em 1558 num mosteiro espanhol (ver peça secundária), notam Clarini e Le Bars. Contemporâneo, o fundador dos Jesuítas, Santo Inácio de Loyola, afirmou sobre a abdicação: o Imperador deu um raro exemplo aos seus sucessores… ao agir assim, provou ser um verdadeiro príncipe cristão… possa o Senhor em toda a sua grandeza oferecer ao Imperador a liberdade. Outro exemplo célebre de abdicação é o de Cristina da Suécia, no século XVII. Rainha aos seis anos, por morte do pai numa batalha, mostrou-se monarca brilhante, mas cedo cansada da governação e mais interessada nas artes e na filosofia. Em junho de 1654, com apenas 27 anos, abdicou numa cerimónia que impressionou a Europa. Numa encenação, foi-se despojando dos vestígios da autoridade real. Mas aquela que viria a converter-se ao catolicismo apesar das origens protestantes (e que morreria em Roma), manteve a designação de rainha, apesar de ter entregue a coroa ao primo, realçando o problema de um soberano nunca poder tornar-se num cidadão comum.