Leonor entra em casa eufórica, com ar de vencedora, ostentando na mão uma carta aberta.
– Oi! Onde estão todos? Vejam, chegou!
Leonor entra em casa eufórica, com ar de vencedora, ostentando na mão uma carta aberta.
– Oi! Onde estão todos? Vejam, chegou! Maria correu da sala para agarrar–se às pernas da avó como fazia sempre que a via, e José e Micaela num salto estavam junto à mãe para saber qual o motivo daquela alegria:Com emoção, Leonor leu pausadamente: deferido o seu pedido de reforma com efeitos a partir do dia 2 de outubro. Num ímpeto de felicidade, abraçou e beijou os filhos e a netinha como se tivesse atingido um momento há muito sonhado. E era-o de facto! Não queria admitir mas sentia-se cansada. – a partir de agora, a avó já vai poder ficar com a Maria! Vamos passear, brincar, fazer panquecas, vai ser uma festa! – Leonor rodopiava com a Maria ao colo como se fosse uma bailarina sem qualquer desgaste que os 67 anos de vida exigente lhe trouxeram. Leonor sempre fora assim, entusiasta e ativa, desafiando sozinha as dificuldades que ser mãe de duas crianças acarreta. Os filhos conheciam-lhe a alegria e a sua célebre frase: tudo se há de resolver!. Sempre se sentiram protegidos por esta mulher que parecia nunca estar cansada, apesar do seu trabalho exigente de ajudante domiciliária, levando apaixonadamente aos seus idosos, o apoio e aconchego que Leonor fazia questão de cultivar. ainda fazia part-time numa casa particular para garantir que os filhos tivessem o necessário. agora que ambos estão desempregados, precisa de garantir que nada falta também à Maria. Que iria fazer com tanto tempo livre? E os seus velhinhos? Como passaria sem aquelas demonstrações de alegria que a enchiam de calor? Será que quem a substituísse adaptar-se-ia aos seus gostos e aos seus jeitos particulares de ser? Sentir-se-iam abandonados?E os encontros das quartas-feiras à tarde com as colegas de trabalho para tomar o chazinho das amigas e contarem anedotas que construíam nas desventuras do dia a dia? E a sua sensação de estar a realizar algo de grandioso quando a brisa da manhã a ajudava a despertar e a fazia agradecer mais um dia?Por momentos a antevisão de uma vida sem estes preenchimentos trouxe-lhe uma angústia que não tinha previsto. Era como se estivesse a entrar num outono que obriga a andar mais devagar. Sentiu o cinzento do frio. Mas, rapidamente Leonor venceu a tristeza, atuando: estabeleceu um dia de visita aos velhinhos como amigos que se tornaram, mantém o chá das amigas, aprecia, agora sem pressas as pessoas com quem se cruza nas ruas, delicia-se com as cores e os cheiros dos jardins que encontra nos seus percursos, e tem aquele prazer imenso de chegar ao fim do dia colocando na mesa posta a alegria de ter pão e muito amor para oferecer e receber. aos pouquinhos, Leonor descobre que esta não é senão a primavera da vida, quando se dá ao direito de apreciar tudo quanto nasce dentro de si e tudo o que ela recebe e faz acontecer em cada dia.