a leitura da crise económica, financeira e agora também social, que o nosso país atravessa, merecem, ou não, uma resposta adequada por parte da Igreja? a hierarquia não faz Política, mas não deverá apoiar os oprimidos?
a leitura da crise económica, financeira e agora também social, que o nosso país atravessa, merecem, ou não, uma resposta adequada por parte da Igreja? a hierarquia não faz Política, mas não deverá apoiar os oprimidos?Outrora, no governo de Salazar, mais concretamente em 1958, houve uma personalidade da Igreja que se destacou na oposição às políticas do chefe de governo de então, sofrendo as consequências. Foi obrigado a sair do país. Um longo amílcar de dez anos que teve de suportar por haver tomado uma posição enquanto pastor, por defender os direitos daqueles que lhe estavam confiados enquanto seguidores de Cristo. O bispo batia-se, por exemplo, pelo direito à greve em oposição a Salazar que dizia: a greve entre nós é um crime. Fazendo referência às reivindicações da campanha de Humberto Delgado – a reclamação de ser reconhecido o direito à greve -, o prelado afirmou: eles estão com a doutrina da Igreja.

antónio Ferreira Gomes, bispo do Porto, disse na carta redigida em 13 de junho de 1958 (há 54 anos) e dirigida a Oliveira Salazar: Não poderei dizer quanto me aflige o já hoje exclusivo privilégio português do mendigo, do pé-descalço, do maltrapilho, do farrapão; nem sequer o nosso triste apanágio das mais altas médias de subalimentados, de crianças enxovalhadas e exangues e de rostos pálidos. São palavras que traduzidas para a atualidade exemplificam a crise de então, possivelmente ainda menor de que a que vivemos. Conhecido por ser uma personalidade culta e sensível, o então bispo do Porto não teve pejo em fundamentar e apontar soluções apoiado nos documentos pontifícios da doutrina social da Igreja.

antes de antónio Ferreira Gomes colocar o dedo nesta ferida social, o padre abel Varzim, Joaquim Alves Correia e outros tomavam posições críticas em relação ao regime. O bispo do Porto só avançou com a carta ao presidente do Conselho, porque a Conferência Episcopal Portuguesa não publicou, três anos antes, um texto sobre a situação dos trabalhadores no nosso país e, nomeadamente a situação do corporativismo.como os seus colegas do episcopado não deram o passo fundamental para denunciar os casos, antónio Ferreira Gomes viu-se obrigado, mas em consciência, a escrever o que lhe ia na alma.com este documento exerceu o seu múnus de pastor. Não duvidemos.
No contexto de crise em que vivemos, como se pronunciam hoje os prelados da Igreja? Comecemos por Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, homem de reconhecida sensibilidade social, mas sobretudo exemplo enquanto pastor da Igreja. Este prelado reconheceu em entrevista recente à TSF: a situação em Setúbal era pior do que a situação generalizada que se vive hoje em Portugal. Mas supondo que a situação em Setúbal naquela altura era a pior que se vivia em Portugal, eu posso concluir que a situação que se vive no país é igual à que se vivia naquele tempo em Setúbal, a pior que se podia imaginar. E, ao contrário do cardeal patriarca, o bispo emérito de Setúbal afirmou que o povo tem todos os motivos para se manifestar. Manuel Martins disse ainda entender a raiva de muitos que se encontram desprezados pelos eleitos.

Já o bispo das Forças armadas e Segurança, Januário Torgal Ferreira, entende que a população portuguesa enfrenta um autêntico terramoto por causa da atual crise económica e financeira, mostrando a sua compreensão face a manifestações públicas de descontentamento. É uma situação terrivelmente difícil, referiu Torgal Ferreira. O prelado considerou que as manifestações populares são perfeitamente legítimas desde que não haja violência e as pessoas respeitem a sua cidadania. “Uma manifestação é um texto com sinais muito sérios, dizendo aos responsáveis ‘nós estamos mal, ajudem-nos, afirmou, lamentando que o Governo se mostre “surdo”. Certamente que o conjunto destas afirmações deve servir de reflexão para todos nós.