O tráfico humano continua a aumentar «assustadoramente» . E Portugal está identificado como país de destino, trânsito e origem. alguns setores da Igreja têm-se esforçado para apoiar as vítimas, mas muito está ainda por fazer. a começar pelas paróquias
O tráfico humano continua a aumentar «assustadoramente» . E Portugal está identificado como país de destino, trânsito e origem. alguns setores da Igreja têm-se esforçado para apoiar as vítimas, mas muito está ainda por fazer. a começar pelas paróquiasConsidera o tráfico de seres humanos como um crime abominável, por despir as pessoas de toda a sua dignidade. No dia em que se recorda na Europa a necessidade de combater este tipo de delito, um dos mais lucrativos do mundo, o diretor da Obra Católica Portuguesa de Migrações, Francisco Sales, lança um desafio à sociedade, às instituições e à própria Igreja, para um maior envolvimento na denúncia e luta contra um negócio que lesa toda a humanidade. a nível legislativo, o padre franciscano defende leis mais claras e penas mais pesadas para os traficantes. Fátima Missionária a crise económica está a contribuir para o Tráfico de Seres Humanos, sobretudo para fins laborais. O que há a fazer para combater este crime? Francisco Sales Em primeiro lugar é necessária legislação agravada para o crime de tráfico, que combata não só quem explora mas, sobretudo, os angariadores porque são eles que aliciam as pessoas e as transformam em vítimas de tráfico. Depois, seria necessário promover ações de formação para as diferentes forças policiais, assim como, para quem trata e julga os processos – funcionários judiciais, advogados e juízes – porque sendo um fenómeno tão complexo, além de ser difícil identificar as vítimas e saber lidar com elas, nota-se um quase total desconhecimento da lei. Finalmente, era preciso um despertar da sociedade e da Igreja para esta realidade, tendo os párocos um papel importantíssimo nas suas comunidades, na denúncia e informação sobre este fenómeno. FM as paróquias não estão sensibilizadas para este fenómeno? FS as paróquias em Portugal, na sua grande maioria, continuam a ser paróquias tradicionais, centradas quase exclusivamente no culto, nas devoções populares e na catequese, não são sensíveis, ou não querem comprometer-se com as realidades mais pertinentes do nosso tempo e que necessitam de ser iluminadas com a luz do Evangelho. Todas as iniciativas de formação e informação sobre o tráfico de seres humanos, algumas delas promovidas para párocos e outros sacerdotes, não encontraram eco nem disponibilidade de participação, o que manifesta o desinteresse existente face à questão. Só quando o problema afeta alguém ligado a alguma paróquia, o que já tem acontecido, é que se dá um despertar e a paróquia toma a iniciativa de promover alguma ação para informar e alertar para essa realidade. FM Que trabalho está a ser feito pelas instituições da Igreja? FS a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) criou a Comissão de apoio às Vitimas de Tráfico de Pessoas (CaVITP), que tem desenvolvido um intenso trabalho de formação e sensibilização para esta realidade. Esta Comissão tem funcionado exclusivamente com os Institutos Religiosos Femininos e tem vindo a procurar alargar a sua rede e âmbito também aos Institutos Masculinos e mesmo fora do universo da Vida Consagrada. Para além desta Comissão, existem alguns Institutos religiosos com trabalho no terreno, em particular ligado à exploração sexual da mulher. No que se refere à exploração laboral não existe nada estruturado, as respostas têm sido pontuais, consoante os casos que vão surgindo, e têm quase sempre sido dadas pela Cáritas. FM a legislação portuguesa é adequada? FS Em Portugal existe uma lacuna a nível do Código Penal para este tipo de crimes, pois muito raramente alguém é condenado ou então os processos arrastam-se até prescreverem. Precisamos de legislação clara e agravada independente da lei de imigração, para não haver confusão entre tráfico de pessoas e imigração irregular, porque o fenómeno não é algo confinado ao campo das migrações, mas também existe a nível de tráfico interno. Deveria estar bem explícito o tipo de crime, assim como as penas a aplicar, evitando atenuantes que, muitas vezes, protegem e desresponsabilizam os criminosos. FM Propõe a criação de uma rede, em colaboração com a ação Católica Rural, para apoio às vítimas de tráfico humano? FS Não havendo abertura por parte das paróquias para se comprometerem no combate ao tráfico de pessoas, que só pode ser enfrentada a nível de uma rede que envolva e abranja a maior parte do território nacional, e sendo a ação Católica Rural um movimento que ainda tem uma expressão numérica bastante alargada no país, torna-se um bom potencial para iniciarmos a criação de um movimento de observadores, atentos à realidade, que ajudem a identificar casos de tráfico, denunciando-os, para se poder ir ao encontro de cada situação concreta. a ideia é fazer da ação Católica Rural o ponto de partida para a criação desta rede de observadores, e, posteriormente, ir alargando a outros grupos e movimentos da Igreja. Existe abertura à ideia, falta-nos definir uma estratégia para a pôr em prática.