José acordou sobressaltado. O braço que estendeu na direção de Natália encontrou espaço vazio
José acordou sobressaltado. O braço que estendeu na direção de Natália encontrou espaço vazioTão rápido quanto a sua perna trémula pelo acidente vascular cerebral (aVC) lhe permitia, saltou da cama e procurou a esposa. Não a encontrou em nenhuma divisão da casa. Eram 4h:00 da manhã e a escuridão não permitia ver em redor. Chamou, assobiou, e nenhuma resposta. O coração disparou com a invasão de pensamentos que tentava afugentar. Telefonou à Rosa, a filha que morava mais próximo. – Rosa, não acordei! Não sei como não acordei e a mãe saiu durante a noite. Não sei onde procurar. Só então José se permitiu chorar sem controle. – Vamos já para aí, pai. Uma hora depois quatro irmãos ansiosos chegavam a casa dos pais. – a mãe nunca fez isto. E logo de noite! Deve estar muito assustada. Se eu soubesse tinha trancado a porta. Porque não a tranquei?- Vamos encontrá-la, pai. Deve estar na casa de algum vizinho. José está cansado. Esgotado. E muito assustado. Há três anos foi-lhe diagnosticada a doença de alzheimer. Desde há 48, era a sua companheira.com ela viu nascer e crescer sete filhos, juntos sentiram a vida nas suas dores e encantos. a dois descobriram o poder do amor e da dedicação amorosa de ambos à família. Mesmo o aVC de José não os impedia de visitar os filhos, de encantar os netos e deleitar-se com os seus afagos e diabruras, de trabalhar a horta, de conviver com os vizinhos, de participar da vida da sua terra. Era tudo quanto queriam: estar juntos, agradecidos, a sentir a vida como presente de Deus. Tudo estavabem até à doença de Natália. Desde então, José só tem descanso aos fins de semana quando os filhos, alternadamente, o substituem nos cuidados. agora, Natália esqueceu como cozinhar, ou tomar banho, ou até vestir-se. até esqueceu o nome dos filhos e já não conhece os netos. Há um nome que chama todo o dia: José! Não esqueceu. Será por ter sempre resposta?O sol foi aparecendo no horizonte. a procura de Natália era cada vez mais desesperante. Às 7h:30 o telefone tocou. Uma voz bem disposta fez-lhe abrandar o ritmo cardíaco:- José, bom dia! Sabe quem me veio acordar? Tenho aqui a Natália, em camisa da noite, a perguntar pelo seu José!- Foi um bom sítio para ir procurar o José, tá-se mesmo a ver!… E riu, riu, descomprimindo de todos os medos e voltando a sentir a boa disposição que todos lhe conheciam. Meia hora depois Natália chegava a casa, ainda a tiritar de frio, e no meio do abraço de José, explicou: – Não sei onde te meteste. ainda por cima não sei o que fizeram ao sol porque não se via nada, mas eu sabia que ias estar em algum sítio!E estava! José estava ali sempre à mão à distância que o amor entre eles criou.