O aumento dos pedidos de ajuda dos estudantes portugueses às instituições de solidariedade relegou para segundo plano o problema de muitos alunos africanos, que estão a estudar em Portugal
O aumento dos pedidos de ajuda dos estudantes portugueses às instituições de solidariedade relegou para segundo plano o problema de muitos alunos africanos, que estão a estudar em PortugalÉ apenas um caso entre muitos, que antes era facilmente detetado, mas agora só por sorte chegou ao conhecimento das organizações de apoio social. Um jovem de São Tomé entrou numa escola profissional da área metropolitana de Lisboa, supondo que tinha direito a uma bolsa de estudo, alojamento e transportes. Quando chegou o primeiro período de férias, confrontou-se com um problema. Tinha que abandonar a residência de estudantes e, nesse período, ficava também por sua conta e risco, no que toca à alimentação. Neste caso, a situação resolveu-se porque o rapaz estava integrado num programa de apadrinhamento promovido pela Cáritas Portuguesa. E os padrinhos, a residirem nos arredores da capital, aceitaram acolhê-lo em casa, assumindo também os custos com os transportes e alimentação. Se assim não fosse, o jovem poderia ser mais um dos que estão a passar por dificuldades, por os seus países de origem não cumprirem com os acordos assumidos. E podia ser mais um entre tantos, que já nem sequer fazem parte das estatísticas, devido à subida em flecha do número de estudantes portugueses que passaram também a solicitar apoios sociais para pagarem propinas ou alojamento, por as suas famílias terem entrado em colapso financeiro. O nosso receio é que haja falta de coordenação e que esta gente esteja isolada. Enquanto há três anos identificávamos com facilidade estes problemas, neste momento, dado o contexto de crise que vivemos, a projeção das nossas preocupações está direcionada para outras realidades, afirmou à Fátima Missionária o presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio da Fonseca. antes, os pedidos de ajuda dos estudantes dos Países africanos de Língua Oficial Portuguesa (PaLOP) eram quase únicos. Os governos dos seus países não cumpriam os acordos bilaterais e os jovens ficavam à deriva, dependentes da caridade das instituições nacionais de solidariedade social. agora, todos os dias aparecem novas solicitações por parte de alunos portugueses e a situação dos estudantes africanos quase caiu no esquecimento. Os problemas não acabaram. Teme-se é que tenham sido relegados para segundo plano, por questões de prioridade nacionalista. Ou que nem sequer sejam identificados, por causa da atual conjuntura económica. as dificuldades entraram na nossa casa e, como temos que a arrumar, não estamos nada preocupados com os vizinhos. Ou seja, neste momento, eles são praticamente uns desconhecidos, adiantou o responsável da Cáritas. Em Coimbra, os apoios aos alunos dos PaLOP registaram um aumento de dez vezes, nos últimos dois anos. No ano de 2010, foram apoiados três alunos, pela Cáritas e pelo Instituto Universitário Justiça e Paz. Em 2011, este número aumentou para 31 (incluindo dois brasileiros) e este ano, até maio, as solicitações já tinham atingido as duas dezenas. Mas são apenas alguns dos números conhecidos, porque em geral, não existem estatísticas relacionadas com este problema. E muitos dos africanos que estudam em Portugal podem estar a passar por situações dramáticas, mas no anonimato. a minha dúvida é se estão a viver o problema e nem sequer procuram a Igreja. Ou se alguns procuram ajuda nas Cáritas diocesanas, porque estão com dívidas, e lhes dizem que primeiro dão prioridade aos portugueses, contrariando o princípio da missão, que é o princípio da universalidade, sublinhou Eugénio da Fonseca. É prioritário viabilizar a formação dos estudantes. Quando não há verba, que recorram ao fundo solidário da Conferência Episcopal, acrescentou o presidente da Cáritas Portuguesa, num claro alerta para que ninguém seja excluído dos planos de apoio, muito menos por questões de prioridade patriótica. Para Jorge Bernardino, coordenador do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior (SNPES), um dos grandes problemas começa com a falta de seriedade dos responsáveis dos PaLOP que enviam os seus conterrâneos para Portugal com promessas de bolsas que nunca chegam a receber. Temos informação de alguns casos em que são os próprios representantes dos governos dos países de origem, que assinam declarações de apoio, sabendo que não irão ser concedidos, denunciou o responsável, numa carta enviada ao secretário de Estado do Ensino Superior. Na missiva, difundida pelo Canal Superior, o SNPES pedia ao governo que não aumentasse o valor das propinas, que reforçasse o montante disponibilizado para a ação social escolar e tornasse mais justos os critérios de atribuição da bolsa. Isto, para que nenhum aluno abandonasse o ensino por razões exclusivamente económicas. Jorge Bernardino propôs ainda que fosse facilitado o acesso dos estudantes a trabalhos em part-time’ nas instituições de ensino superior onde estudam para ajudar a suportar os custos da formação. Uma medida que já está em prática em algumas escolas, mas ainda não está legislada na maioria dos estabelecimentos. Entre alertas e receios, Eugénio da Fonseca também não poupa críticas aos países africanos que mandam alunos para Portugal e não os apoiam como tinham prometido: alguns até podem ser pobres, mas se não têm dinheiro não celebrem os acordos e não criem expetativas aos jovens. É vergonhoso fazerem acordos bilaterais e depois não os cumprirem. Pelos dados disponíveis, o responsável máximo da Cáritas nacional está convicto que o Estado português tem cumprido com a sua parte dos acordos. No entanto, não tem conhecimento que tenha exercido pressão para que os PaLOP em incumprimento regularizem a situação. Por isso, advoga uma mudança de comportamento político. No seu entender, Portugal devia assegurar que nada faltasse aos estudantes africanos, para garantir o respeito pela dignidade humana, e depois criar uma conta corrente e exigir ao país de origem que o ressarcisse dos gastos. Perante a proximidade do próximo Encontro das Presidências das Conferências Episcopais dos Países Lusófonos, os dirigentes de várias instituições de apoio social ligadas à Igreja, ouvidos pela Fátima Missionária, manifestaram mesmo a esperança de que esta questão seja debatida e objeto de medidas concretas. Era bom que cada Conferência Episcopal assumisse o que vai fazer em concreto no seu país para apurar o que está, ou não, a ser cumprido com estes acordos bilaterais. O regime de austeridade vivido em Portugal e na Europa está a deixar cada vez mais estudantes portugueses em dificuldades para pagarem as propinas. Em paralelo, o número de bolseiros no ensino superior sofreu uma quebra nos últimos dois anos e está agora em valores semelhantes aos registados há 12 anos (perto de 56 mil), segundo um estudo revelado pelo jornal Público. as consequências estão à vista. Nos primeiros dois meses deste ano, mais de 6000 estudantes abandonaram o ensino superior, perfazendo uma média de 100 alunos por dia a deixar de estudar. Muitas destas desistências estarão relacionadas com a forte redução na atribuição de bolsas, originada pelas alterações aos regulamentos efetuadas, sobretudo nos últimos dois anos. Em março, o Conselho de Reitores das Universidades Portugueses aprovou mesmo uma recomendação, para que as instituições aumentem em 30 euros o valor da propina máxima, no próximo ano letivo, para poderem financiar um fundo de apoio aos estudantes em dificuldades financeiras.