Se abrirmos as páginas dos documentos que, emanados da Sé apostólica, refletem sobre a essência e a vocação dos santuários, percebemos que estes continuam hoje a ser lugares habitados por múltiplas formas de olhar a realidade
Se abrirmos as páginas dos documentos que, emanados da Sé apostólica, refletem sobre a essência e a vocação dos santuários, percebemos que estes continuam hoje a ser lugares habitados por múltiplas formas de olhar a realidadeSe abrirmos as páginas dos documentos que, emanados da Sé apostólica, refletem sobre a essência e a vocação dos santuários, percebemos que estes continuam hoje a ser lugares habitados por múltiplas formas de olhar a realidade, espelhando diversificadas maneiras de sentir e de viver. Neste contexto, o lugar do santuário não é tanto traduzido pela ideia de templo, mas antes pelo conceito de ampla praça com pórticos abertos através dos quais passa o homo viator’. Sem se assumirem como únicos focos de cultura e de arte, os santuários foram sempre lugares artísticos e propulsionadores de cultura, porque a partir da sua específica ritualidade se constituíram cenários únicos e irrepetíveis noutras latitudes. Provam esta afirmação quer as vetustas cantigas de amigo do universo galego-português, quer as inúmeras imagens teledifundidas dos lenços brancos do recinto de Fátima.com efeito, o santuário proporciona uma cuidada paisagem estética que é amplamente sensorial, tocando os sentidos da visão, do paladar, do olfato, do tato e da audição. Podemos afirmar que neles acontecem manifestações culturais que atravessam as diversas formas de sentir e que, inclusivamente, fazem irmanar os que acorrem aos seus favores: quer o nobre, quer o camponês tocavam na coluna do Pórtico da Glória quando chegavam ao templo do apóstolo da Galiza; quer o peregrino mais anónimo, quer o mais conhecido envergam a vela e passa as contas do rosário no cenário da Cova da Iria. O que sucede no âmbito das artes performativas, intrinsecamente ligadas à ritualidade, é também correspondido no que respeita às artes do espaço. Normalmente chamadas a construir o santuário, as disciplinas artísticas tornam-se, naquele lugar, arte para todos. Neste aspeto, o Santuário de Fátima revela-se lugar de uma indispensável continuidade artística, porquanto, conforme cada época, se fez laboratório de experimentações e paisagem de novidade que se liga à antiga. assim se mostra efetivamente lugar da arte para todos, espaço onde acontece uma democratização da arte, proporcionando a quem nele viajar cenários múltiplos que vão desde a arte popular, espelhada na ermida construída em 1919, até à arte mais hermética e eruditamente depurada que se plasma na igreja da Santíssima Trindade. Entre uma e outra baliza temporal, encontra-se o gosto oitocentista patenteado na basílica iniciada em 1928, a vigorosa colunata que se faz testemunho dos cânones de meados do século XX e as intervenções pós-modernas dos anos 80 desse mesmo século. Mais acessível ou mais hermética, mais apreciada ou mais incompreendida, a arte no Santuário de Fátima foi sempre protagonista de interessantes episódios que merecem reflexão e que têm sido o cenário que atrai as multidões, à maneira de pátio de todos, sejam crentes ou não, sintam-se pertença do povo cristão ou façam parte dos que chamamos gentios.