Deixaram a filha em Portugal, onde a vida lhes negava qualquer oportunidade. Partiram para França, onde vivem de saudade e angústia, sem oportunidades e com o desejo de regressar
Deixaram a filha em Portugal, onde a vida lhes negava qualquer oportunidade. Partiram para França, onde vivem de saudade e angústia, sem oportunidades e com o desejo de regressarO João e a ana estão na casa dos 30. São do Norte e emigraram há um ano para a França. Vivem na periferia de Nice, numa pequena aldeia junto ao mar. Eram ambos professores numa escola em amarante, e devido à situação da ana, decidiram emigrar: dava aulas de Francês, quando conseguia uma substituição. Vivia assim há vários anos. O João ensinava Geografia, tendo conseguido sempre contratos anuais nas escolas onde esteve. Perante a situação profissional em que se encontravam e, com o passar dos anos, decidiram ir para França. Não levaram nada planeado, apenas uns contactos com familiares afastados que já viviam, há anos, na região. a vida do casal não tem sido nada fácil. Pelo que ouviu dos vizinhos, que já lá estão, a ana pensou em ter, em casa, um lugar onde pudesse acolher crianças e fazer-lhes de ama, como acontece com algumas famílias portuguesas. Mas perante o preço dos alugueres das casas teve de voltar atrás com a ideia. agora, quando calha e a chamam, faz limpezas em casas do centro da cidade e, à noite, faz algumas horas num armazém de supermercados. O João conseguiu emprego como pintor numa empresa de construção civil, cujo patrão é português. Devido à situação precária em que vivem, deixaram em Portugal a filha de três anos que vive com a mãe da ana. Todos os dias, á noite, via Skipe, falam com a filha. Vivem numa grande ansiedade com medo que lhe possa acontecer alguma coisa. a mãe da ana já tem alguma idade e a presença contínua da neta causa-lhe uma grande tensão. Já pensaram em chamar a filha para junto deles, mas torna-se inviável perante as circunstâncias. a casa onde vivem é minúscula, 17m2, um quarto, uma casa de banho e a cozinha num pequeno corredor. Pagam 700 euros por mês, o que naquela zona de França, é considerado normal. a ideia de ambos é sempre regressar a casa. a ana vive sempre num grande sofrimento por causa da filha e, até por estar numa situação mais instável, tem um desejo enorme de voltar. Mas para fazer o quê? Que trabalho? Conheceram-se na Faculdade de Letras de Lisboa há dez anos, o que queriam era serem professores. Estavam cansados da situação provisória em que viviam e decidiram partir. Hoje têm um estilo de vida que era impensável e fazem trabalhos que nunca julgaram poder realizar. Estudaram e fizeram sacrifícios para terem uma vida melhor, mas sentem que tudo lhes está a escapar. São emigrantes como os dos anos 50 e 60. Nada os distingue. Estudaram, tiraram licenciaturas, mas em termos práticos isso não lhes trouxe qualquer tipo de vantagem. Sentem que desperdiçaram o tempo e vivem uma raiva enorme do discurso político vigente. Quando ouvem dizer que os novos emigrantes estão melhor preparados que antigamente, estudaram, têm um tipo de recursos diferentes e que, por isso, podem vingar melhor no estrangeiro, sabem que tudo isso é mentira. Estão a chegar cada vez mais pessoas, diz a ana, e todas elas têm enormes dificuldades em inserir-se. até ela que fala fluentemente francês não tirou nenhuma vantagem desse recurso. Vive-se num circuito fechado de onde é muito difícil sair. Sentem-se expulsos, abandonados, fragilizados nos sonhos e ambições. O grande momento de convívio que têm, é-lhes oferecido pela paróquia. Uma vez por mês, a missa celebra-se em português e, depois, fazem um almoço partilhado. Levam os computadores e, como a paróquia tem um router, passam a tarde a falar horas intermináveis com os familiares em Portugal. São os novos emigrantes, os filhos bastardos do poder político.