São gente abandonada. Estão por todo o lado, nas grandes cidades e nas outras mais pequenas. agora já não estão só nos semáforos a lavar os vidros dos carros, como antigamente
São gente abandonada. Estão por todo o lado, nas grandes cidades e nas outras mais pequenas. agora já não estão só nos semáforos a lavar os vidros dos carros, como antigamenteVendem jornais ao longo da estrada. Uma imagem igual a tantas cidades africanas. acotovelam-se nas grandes estações de comboio, estendem uma mão nas esquinas, nos sítios mais improváveis. Qualquer coisa se vende, qualquer coisa se pode comprar, tudo se pode improvisar. Os deserdados da Europa têm aumentado a um ritmo avassalador, ou pelo menos a sua integração é cada vez mais uma miragem. a sua presença torna-se cada vez mais obsessiva. É constante! Não podemos olhar para o lado fingindo que nada se passa. Os de fora da Europa estão cá, os da outra cor e que falam discretamente as nossas línguas estão na nossa terra. Será que sabemos disto a sério? Os que não têm papéis de identificação, os que vêm fora da Comunidade Europeia continuam a fazer a travessia. Certo, tudo isto começou há muito. Há 20, 30 anos que ouvimos falar dos extra comunitários, africanos, asiáticos, sulamericanos que desembarcaram à procura. E o que tem acontecido, o que temos feito para esta gente também ser nossa? O que temos feito para os abraçar, para lhe darmos o que temos de melhor? a grande impressão é que estas pessoas nunca chegam a ser nossas, a partilhar aquilo que é nosso. São os esventrados da Europa, o vómito prolongado das viagens clandestinas no Mediterrâneo. Esta gente chega, mas está sempre fora. Viaja nos barcos artesanais sem nunca chegar. O Mediterrânico é uma lamina afiada para onde não conseguimos olhar. Os de fora da Europa desinstalam-nos, provocam-nos no mais profundo do nosso egoísmo, no ponto em que os nós ficam suspensos. Damos-lhe uma casa. mas a porta está arrombada, nunca cuidámos dela e nem sequer temos a chave. Não suportamos que nos toquem, nos façam a mais pequena afronta. Temos medo de olhar esta gente nos olhos – quem são eles se não fomos nós que os chamámos? Facilmente se desenvolve um estigma, uma marginalização forçada, uma renúncia sem prova. Pelo Mediterrâneo chegam-nos machados de guerra, esporas de fel prontas a rebentar. Cada rosto é uma inquietude, uma bolha de dor desconhecida. Fica sempre fora, à margem, no lugar onde se podem tornar perigosos. Este é um dos maiores dramas da Europa, depois de tantos anos de convívio com os de fora. Eles continuam a ser perigosos. Eles continuam a vender jornais nas estradas junto aos semáforos. Eles continuam nas estações dos comboios a vender chapéus nos dias de chuva. E são cada vez em maior número. Estão em nossa casa, mas não lhe damos a chave de entrada, o sorriso da esperança e da alegria.