Mónica nunca fora de se lamentar. Via as mudanças, mesmo as que não desejava, como um novo desafio a vencer e um meio de aprender outras formas de viverMónica nunca fora de se lamentar. Via as mudanças, mesmo as que não desejava, como um novo desafio a vencer e um meio de aprender outras formas de viver
Talvez por isso não se assustou quando teve de sair com os dois filhos do apartamento onde viviam para um mais barato. Era triste! Mas tudo se resolveria.
Hoje é dia de fazer as mudanças. Mobília e sacos num sobe e desce afogueado trouxeram os novos vizinhos à janela, às escadas, mas ninguém quis saber se Mónica precisava de ajuda. Nem perguntaram o seu nome ou o dos seus filhos. Parecia quererem investigar, mas não envolver-se.
Mónica sabia estar atenta àquilo que se passava ao seu redor. Percebeu que tinha algum contributo a dar naquela indiferença. E começaria já.com apartamento organizado, bateu à porta de cada um dos vizinhos o prédio a apresentar-se:
– Olá! Vimos apresentar-nos como os novos vizinhos do terceiro esquerdo. Somos a Mónica, o Marco e a Rita. Gostaríamos que pudessem contar connosco e de podermos contar convosco.
Era o início de uma conversa que, após a surpresa inicial, passava a um acolhimento curioso e prolongava-se em trocas de informação úteis. Em apenas uma semana, Mónica já trocava um Bom dia, senhor Joaquim, como tem passado? ou Olá, Claúdia, bom treino!. apercebeu-se rapidamente das dificuldades dos seus novos vizinhos. alguns eram idosos a viverem e a sentirem-se sós. Que fazer?
Falou com o responsável do condomínio e propôs-lhe pensarem em conjunto a solução. Era um assunto invulgar para pensar numa reunião de condomínio, mas foi mesmo isso que aconteceu. O senhor Luís iniciou a reunião com sua autoridade habitual:
– Como sabem esta nossa reunião é extraordinária e tem como único assunto: O meu vizinho e eu. Temos ouvido na comunicação social que há pessoas que não sabem nem se interessam por quem vive ao seu lado e apercebemo-nos que isso está a acontecer-nos. Podemos fazer diferente! Mas o quê?
Todos tinham algo a dizer e, desta vez, cada um quis escutar o vizinho, enquanto pessoa. as soluções brotaram, juntamente com afetos, desejos, medos.
Nesse dia, ao anoitecer, todos cumpriram a decisão ali tomada: Doravante nenhuma família se deitará sem saber se o vizinho do seu andar está bem.
E, em fevereiro, quando todos se juntaram no primeiro lanche trimestral do prédio, já ninguém era ou se sentiu desconhecido.
as portas à frente e ao lado, antes fechadas e silenciosas, eram agora portos de segurança e partilha.
No Bloco 105, porque alguém soube chegar próximo, inventaram-se laços de cuidado que derrubaram um dos piores medos: o ser só.