O medo tomou conta das pessoas de idade que vivem sem companhia. a Igreja pede aos cristãos que sejam menos egoí­stas e apoiem os mais velhos
O medo tomou conta das pessoas de idade que vivem sem companhia. a Igreja pede aos cristãos que sejam menos egoí­stas e apoiem os mais velhos

antes era apenas a solidão, hoje é a solidão e o medo. Maria S. , 74 anos, tornou-se uma mulher desconfiada. Continua a soltar o verbo de forma fácil e humilde, a irradiar ternura através do olhar azul turquesa, mas mudou de comportamento. Não o fez de livre vontade. as circunstâncias, as notícias constantes dos assaltos a idosos, a isso a obrigaram. «Gostava muito de receber e falar com quem aparecesse, mas agora todo o cuidado é pouco. anda por aí muita malandragem, conta à Fátima Missionária, encostada à porta de sua casa, numa pequena aldeia no distrito de Leiria.

Maria leva quase duas décadas de solidão. Desde que o marido morreu, em 1994, passou a partilhar os desabafos do dia a dia apenas com «a criação. Ralha com o pequeno cão rafeiro, conversa com as galinhas e dá conta das suas preocupações às figuras que desfilam no pequeno ecrã, ao longo do dia.como se elas a ouvissem. Os filhos «têm as suas vidas e raramente aparecem. Os poucos vizinhos saem ao nascer do sol e regressam já de noite. Os seus dias passaram a ser preenchidos de silêncios. E quando há um barulho estranho, o bater do coração acelera involuntariamente. «Nunca se sabe quem vem e ao que vem, desabafa, aconchegando os braços na bata escura, descolorida pelo tempo.

ainda que resumida, a história de Maria não difere muito da de grande parte dos idosos que vivem sozinhos e isolados em Portugal. O último Censos feito pela Guarda Nacional Republicana (GNR) identificou 18. 082, mais 7. 405 do que em 2011. Bragança é o distrito onde o fenómeno tem mais expressão, com 2. 442 casos. Seguem-se Santarém, Évora e Guarda.

Timidamente começam a surgir campanhas da Cáritas, das conferências vicentinas ou projetos como o do Instituto Politécnico de Bragança – em parceria com a diocese, câmaras, juntas de freguesia e Santa Casa da Misericórdia – para incentivar os estudantes a atenuar a solidão da terceira idade. Mas há um longo caminho a percorrer. «Os cristãos continuam a caminhar no seu egoísmo, mesmo com momentos litúrgicos de intimidade com Deus e desconhecem-se no quotidiano. Desconhecem-se e esquecem-se.

a solidão e os idosos, como outros problemas interligados, nunca deixarão de existir sem esta redescoberta da comunidade. Será esta a discernir caminhos adequados para acabar com este escândalo do abandono de muitas pessoas, alerta o presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, arcebispo Jorge Ortiga. Entrevista completa