amigos e simpatizantes do Movimento Fé e Luz, no seu 42º aniversário, peregrinam a Fátima. De 28 de abril a 1 de Maio é ocasião de encontro, de celebração e de novo impulso
amigos e simpatizantes do Movimento Fé e Luz, no seu 42º aniversário, peregrinam a Fátima. De 28 de abril a 1 de Maio é ocasião de encontro, de celebração e de novo impulso Quarenta anos depois do nascimento do Movimento Fé e Luz, os amigos e pessoas a ele ligadas peregrinam a Fátima, de 28 de abril a 1 de maio. Fátima Missionária falou com alice Cabral, coordenadora nacional deste Movimento a poucos dias da peregrinação a Fátima.
Fátima Missionária (FM): O Movimento Fé e Luz nasce da rejeição das pessoas com deficiência. 40 anos depois ainda se sente o estigma?
alice Cabral (aC): a questão é complexa e não tem uma resposta de sim ou não. O estigma é inerente a um problema de que não se fala: a deficiência. Este é um desafio difícil e, por isso, todos nós tentamos evitar confrontar-nos com ele: todos – pais, familiares e colegas, a sociedade em geral e a Igreja na sua organização não escapam a isto. É preciso estar consciente e tomar medidas. É preciso falar dos problemas para podermos lidar com eles. Ora na sociedade portuguesa tem-se escamoteado muitas vezes o problema da deficiência, usando expressões eufemísticas como necessidades especiais ou diferenças. Na organização das paróquias e das organizações dum modo geral não se exprime, de um modo geral, a preocupação com esta população, que constitui uns 10 por cento da população em geral.

No meio deste panorama e devido a ele, a Conferência Episcopal criou recentemente o Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, mas não tem sido fácil o arranque da sua implantação, porque a consciência do problema é muito baixa. Não se pode falar duma rejeição ativa, mas talvez antes duma rejeição por omissão.

Conheço experiências muito positivas de catequistas que ficaram aflitos quando receberam num dos seus grupos uma criança, por exemplo, com deficiência intelectual, mas depois conseguiram entender-se com ela e viveram, por dentro, a experiência da simplicidade do contacto e do contributo daquela criança para o grupo todo. Mas estas experiências e os materiais que a pessoa pode ter desenvolvido para aquele caso não passa para outros e, em Portugal, não há um departamento da catequese que reflita sobre estas questões.

Deste modo, pode dizer-se que há alguns progressos que se verificam a nível pessoal mas continua a haver uma atenção deficitária às diferentes problemáticas ao nível do planeamento e da organização dos serviços – de todos os serviços pastorais. Dei o exemplo da catequese (os surdos também não têm catequistas preparadas), mas ao nível da liturgia acontece o mesmo: há paróquias com pessoas com deficiência a acolitar ou com outros papéis, mas são raras. Exemplos recentes: a Maria, pertencendo a uma comunidade Fé e Luz foi incentivada a integrar-se num grupo de catequese da paróquia e fez a 1a comunhão, a profissão de fé e seguiu num grupo de preparação para o crisma. Quando chegou a altura, disseram-lhe que ela não podia porque não tinha aprendido o necessário. Recentemente um pároco interrogava-se sobre o que se podia exigir ao José e ao João, com deficiência intelectual, para se saber quando poderiam receber os sacramentos.

Repare-se que esta interrogação é muito importante e significa um grande respeito pela pessoa como é, mas não há uma reflexão organizada e atualizada sobre o tema. Existem, desde há muitos anos orientações de um grupo de Bispos, mas já não são conhecidas Enfim, creio que o Espírito Santo vai iluminando as pessoas que aceitam confrontar-se com o problema, e há sinais disso. É, contudo, necessário agir de forma mais organizada e com vontade de, com solicitude maternal, ir ao encontro destas pessoas de forma ativa e não só assistencial.

FM: Como trabalham a integração das pessoas com deficiência e qual a dinâmica deste Movimento? É uma aposta feita no apoio às famílias, também?

aC: Este movimento caracteriza-se por não fazer nada Não temos respostas assistenciais. Pretendemos criar em torno da pessoa com deficiência intelectual e da sua família uma rede de amizade tecida nos encontros mensais onde refletimos sobre a Palavra de Deus, procurando usar outras linguagens e não só a linguagem verbal (por exemplo através de mímicas); cantamos, rezamos e fazemos a festa. Entre os encontros mensais, os jovens (de idade ou de espírito) e os membros, duma maneira geral, procuram ter notícias uns dos outros e encontrar-se para momentos de interajuda ou de lazer.

Procuramos que cada um frequente a sua Igreja (o movimento é ecuménico – em Portugal, até à data, todas as comunidades estão inseridas em paróquias católicas), mas muitas comunidades são interparoquiais. Frequente e tenha um papel ativo: possa participar nos grupos de catequese, acolitar, etc. , em suma, o papel que a paróquia lhe queira dar. Na minha paróquia, o Mário faz parte da equipa do acolhimento à entrada da Igreja.

as famílias, além desta rede de amizade e interajuda, podem descobrir melhor o tesouro que é aquele nosso/a filho/a, ou irmão/ã através dos olhos dos outros que se tornam amigos dele/a e através do aprofundamento da fé e da oração, mas também da festa, da participação nos campos de férias, enfim, em atividades e no exercício de responsabilidades compatíveis. Tira estes familiares do isolamento social em que muitas vezes estão, devido às dificuldades quotidianas. Os irmãos, podem reconhecer que aquele irmão/ã, mesmo se perturba a sua vida e muitas vezes absorve os pais em detrimento da atenção de que carecem, também estimula à sua volta um mundo de ternura e de fidelidade importante para eles.
Os amigos jovens descobrem também, como dizia o Gonçalo: O primeiro encontro foi para mim muito difícil porque vi como toda a minha inteligência, toda a minha cultura, de nada me serviram quando confrontado com um amigo especial. Percebi que este amigo se encontrava muito mais disponível e acolhedor em relação aos outros do que eu. À medida que me fui relacionando com os amigos especiais, fui aprendendo, tendo eles como professores, a abrir-me interiormente e a tornar-me mais pobre e mais simples. Fé e Luz tem-me ajudado, assim a encontrar aquela sensibilidade, perdida há muito por causa do egoísmo.
aos sacerdotes, Fé e Luz oferece a oportunidade de redescobrir, duma maneira nova, o coração da mensagem do Evangelho: a boa nova de Jesus Cristo anunciada aos pobres e aos pequenos. a partir daí encontrar uma fonte de renovação para o seu ministério.

Por último, há um aspeto muito importante para mim: a comunidade é uma unidade mediadora. Entrar numa Igreja com o meu filho era uma aventura difícil: com autismo e uma deficiência intelectual profunda, não só, não parava quieto, mas, se ficasse contente, dava gritos que assustavam as pessoas. O facto de aparecer em comunidade nas celebrações litúrgicas, fazia com que os paroquianos aprendessem, com o modo como a comunidade lidava com ele, o significado dos seus comportamentos e aprendessem a gostar dele como ele era. E podem crer que aprenderam e gostavam mesmo. E a sua presença era importante para todos e hoje sentem a sua falta. Importante em quê e para quê? Não sei, mas dele posso dizer que era pela ternura que suscitava e a alegria que irradiava. Na minha paróquia, diz o Pároco que muitas pessoas vêm de propósito à missa quando o Fé e Luz está presente. Penso que é isto que fazemos para a inclusão destas pessoas e famílias.

Tem sido difícil mobilizar as famílias, mas é uma prioridade atualmente o fazer crescer este movimento, que se insere na nova evangelização e constitui um desafio de conversão/renovação para todos/as. Que se constituam comunidades em mais 3 dioceses, pelo menos, é uma meta para o corrente triénio.

FM: Quantas comunidades existem atualmente em Portugal e onde? 40 anos é um marco na história do movimento. Quais as prioridades destas? E quais as metas em Portugal, para o próximo triénio?
aC: Presentemente existem 11 comunidades ativas. Na Diocese do Porto: Paróquia de Nossa Senhora da ajuda (Pasteleira), Senhora da Conceição (Marquês), de Cristo Rei na cidade do Porto e uma na paróquia da Senhora da Hora. Na Maia existe uma comunidade em São Romão de Vermoim; em Vila Boa de Quires (Paredes), Santa Maria de arrifana (Vila da Feira). Na Diocese de Braga há uma comunidade em formação em Vila do Conde. Na Diocese de Lisboa há duas comunidades: São Jorge de arroios, em Lisboa e São José de Nazaré, no Catujal. Na arquidiocese de Évora, há uma na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Évora.

Peregrinação a Fátima sob o lema Mensageiros da alegria

FM: O 40º aniversário do Movimento é assinalado com um encontro-retiro-peregrinação a Fátima. Porquê esta escolha?
aC: Fátima, como santuário mariano, é um local importante para o Movimento. Tal como nós mães, Maria, logo na apresentação de Jesus no Templo, recebe uma notícia perturbadora: o teu coração será trespassado por uma espada, diz-lhe o velho Simeão. O modo como Maria acolhe esse filho e como acompanha o Seu sofrimento, mantendo-se disponível e em comunhão com os Seus amigos, é um exemplo muito forte. Ela acreditou que Ele era a luz das Nações, para continuar a citar Simeão (Lc 2, 32) e continua a irradiar a Sua luz de que tanto precisamos.

Jesus revelou-nos um Deus que ama os seus filhos tal como são. Ele quer que sejamos felizes, mesmo que tenhamos dificuldades que fazem doer. Não precisamos de ter medo: Ele e a Sua Mãe estão connosco – podemos confiar.

De facto, o nosso coração nem sempre está cheio de luz. Muitas vezes ficamos terrivelmente dececionados com a notícia da deficiência do nosso filho, do nosso irmão, do nosso amigo. Não sabemos o que vai acontecer e o que podemos fazer. Nestes casos, é bom não ficarmos sozinhos com a nossa dor e confusão, indo ter com Maria. Com uma vela na mão, damos primeiro um passinho e depois outro. E Deus, dos nossos espinhos fará um fogo novo, que traz luz e calor ao nosso coração. Queremos partir para outro local para nos tornarmos outros com confiança, força e alegria para viver o dia a dia. Queremos pedir ao Espírito Santo que nos dê estes dons.

Os grandes objetivos da nossa peregrinação que celebra os 40 anos resumidamente são: celebrar as graças recebidas ao longo destes anos e a aprendizagem que foi sendo feita; reforçar os laços eclesiais e fazer crescer o amor na nossa Igreja, descobrindo juntos os dons preciosos das pessoas com uma deficiência; e unirmo-nos à grande família Fé e Luz do mundo inteiro numa dimensão comunitária essencial no Fé e Luz: estamos em comunhão com os que nos precederam. Formamos um povo em marcha caminhando ao ritmo do mais pequeno.

FM: Mensageiros da alegria é o grande lema desta peregrinação. Porquê?
aC: Onde há amor, um sofrimento, mesmo profundo, pode coexistir com a alegria. Esta alegria é um dom do Espírito Santo. Devemos pedir-lho. Na comunidade Fé e Luz, a pessoa frágil, sequiosa de comunhão, sente que é amada, que é aceite como é, e que pode participar plenamente na Festa. a sua alegria é contagiosa e comunica-se.

aprendi com o meu filho Dido (como lhe chamávamos) que, mesmo quando temos dores e um sofrimento grande, podemos sorrir e ficar felizes, sempre que conseguimos encontrar-nos pessoa a pessoa – e que isso é mais forte que a dor. Não se trata de negar o sofrimento: ele está lá. Trata-se de não nos deixarmos esmagar por ele e procurar a alegria, dom do Espírito Santo. as pessoas com deficiência são tantas vezes grandes mestres nisso: a nossa Vera que não pode falar e tem dores grandes, devido a espasmos violentos – o sorriso com que ela nos acolhe, transforma-nos por dentro e leva-nos à partilha da alegria.

Por estas razões, os responsáveis internacionais escolheram o lema de Mensageiros da alegria para as peregrinações que se estão a realizar por esse mundo fora, desde fevereiro de 2011 e até novembro de 2012. Já se realizaram peregrinações em sítios tão diferentes como o Egito, o Sudão, os Estados Unidos, a Bélgica, a França, Espanha, Itália, Madagáscar, a Malásia, o Japão, poucos meses depois do tremor de terra, etc É mesmo uma corrente pelo mundo fora.

a imagem social das pessoas com deficiência enquanto peso, mal ou mesmo castigo de Deus, tem que ser mudada. É necessário reconhecer-lhes o estatuto de pessoa, dom para a humanidade. Tendo embora uma deficiência que as limita, desafia toda a sociedade a aprender a lidar com as suas dificuldades e descobrir como são importantes para a construção dum mundo assente numa outra lógica que não a da competição e da procura do prazer imediato, a que nem todos têm acesso (Jean Vanier).

No Fé e Luz, vamos descobrindo, no nosso dia a dia, o sentido muito literal da frase de Jesus: Eu vos louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelastes aos pequeninos (Mt. 11, 25). a capacidade de ter uma relação de intimidade está presente nestas pessoas, mesmo quando desprovidas da capacidade de verbalizar e com deficiências muito extensas. Deste modo, elas também podem anunciar a todos a Boa Nova de Jesus.