Com a Europa em crise, bastou uma economia brasileira a meio gás para que o final de 2011 fosse marcado por uma importante alteração na hierarquia das grandes potências
Com a Europa em crise, bastou uma economia brasileira a meio gás para que o final de 2011 fosse marcado por uma importante alteração na hierarquia das grandes potênciasO Brasil é agora mais rico que o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte) e faz já figura de sexta economia mundial. Bater os ingleses tinha-se tornado habitual no futebol, uma espécie de vingança dos pobres que jogam bonito contra os ricos que inventaram o desporto-rei, mas agora os brasileiros sabem também que o seu país é capaz de ganhar ao Reino Unido fora do relvado. Um alerta, porém, deve ser feito: a caminhada brasileira para o desenvolvimento, espetacular na última década, ainda só vai a meio do caminho: em média um brasileiro continua a ser quatro vezes mais pobre que um britânico e será necessário gerir muito bem as potencialidades do gigante lusófono para desfazer um dia esse fosso.com 8,5 milhões de quilómetros quadrados, o Brasil é o quinto maior país do mundo. E com cerca de 200 milhões de habitantes, é também o quinto mais populoso. Porém, na classificação das grandes potências económicas, o gigante lusófono fez durante quase dois séculos uma fraca figura e só na última década conseguiu entrar no grupo dos dez mais ricos em termos absolutos. E agora, depois de ter ultrapassado o Reino Unido em finais de 2011, até é já sexto e muito provavelmente baterá numa questão de poucos anos a França, o que lhe dará um quinto lugar que parece ser o seu lugar natural na hierarquia das grandes nações. Ultrapassar os britânicos teve um simbolismo especial para os brasileiros. Desde que, no início do século XIX, D. João VI de Portugal abriu os portos da sua maior colónia à marinha mercante inglesa (e também escocesa, galesa e irlandesa, as outras componentes do Reino Unido) que os brasileiros se habituaram à ideia de que por muitas potencialidades que o seu país tenha, os ricos eram os burgueses que a partir de Londres mexiam os cordelinhos do comércio mundial. E depois da independência brasileira em 1822, obra desse jovem D. Pedro que preferiu ser imperador do Brasil a rei de Portugal e dos algarves, a Inglaterra continuou a simbolizar a prosperidade europeia que o gigante lusófono falhava mesmo depois de se ter tornado uma república, como que condenado a ser sempre um adiado País do Futuro, expressão inspirada no título do célebre livro do austríaco Stefan Zweig. Para se vingarem da supremacia económica dos britânicos, aos brasileiros restou durante muito tempo o futebol. Os ingleses podem ter inventado o jogo, algures em meados do século XIX, mas quem se impôs como os melhores no domínio da bola foram os brasileiros. Nos 23 jogos entre as duas nações, o quadro é revelador: 11 vitórias brasileiras, nove empates e apenas três triunfos ingleses. E como se não bastasse, os ingleses só foram campeões do mundo uma vez, quando organizaram em 1966 a fase final, enquanto os brasileiros somam cinco títulos. Mas em 2011 bastou ao Brasil um crescimento económico a meio gás (3,5% contra os 7,5% em 2010) para passar a olhar de cima os britânicos e não apenas quando se enfrentavam num relvado. Mergulhado na crise da dívida soberana tal como a generalidade dos países europeus, o Reino Unido não cresceu mais que 0,9%, permitindo a tal ultrapassagem pelo Brasil, trocando de posições na hierarquia das grandes economias: Brasil passa a sexto, Reino Unido a sétimo. Lá bem na frente continuam os Estados Unidos, seguidos da China. Em terceiro está o Japão, em quarto a alemanha e em quinto a França. Depois do Brasil e do Reino Unido surgem a Itália em oitavo, a Índia em nono e a Rússia em décimo. Tudo isto tendo em conta os Produtos Internos Brutos (PIB) em termos de dólares correntes e não calculados segundo a regra da paridade do poder de compra, que tem em conta os diferentes custos dos bens e acaba por atribuir mais riqueza às nações emergentes (nesse caso o Brasil já bateria a França). as anteriores ultrapassagens sonantes tinham sido em 2007 a China a tirar o terceiro lugar à alemanha e depois a China a conquistar em 2010 o segundo lugar ao Japão. Em breve, deverá ser a vez de Índia e Rússia ultrapassarem a Itália, que deverá passar rapidamente para décimo. O PIB brasileiro ronda agora os 2,5 biliões de dólares (os fabulosos trillions’ anglo-saxónicos). Mas, voltando à analogia futebolística, a vitória sobre o Reino Unido aconteceu por margem mínima.como notou o jornal O Globo’, o Brasil bate o Reino Unido, mas a renda só será igual em 20 anos. É que as diferenças de rendimento médio persistem muito favoráveis às economias tradicionais. Um britânico tem em média 38. 370 dólares de rendimento anual, contra apenas 9. 390 dólares de um brasileiro. E como as desigualdades sociais são mais pronunciadas no Brasil, uma avaliação em termos de índice de desenvolvimento humano da ONU coloca o Reino Unido em 28. º lugar e o Brasil ainda em 84. º. E só os primeiros 47 da lista correspondem hoje ao invejável estatuto de país de desenvolvimento muito alto (Portugal é um deles). Ora, o sucesso económico do Brasil tem acontecido em paralelo com um esforço sério por parte dos seus governantes para tornarem o país uma sociedade mais justa. Foi com o presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda na década de 1990, que foram dados os primeiros passos para desenvolver de vez a economia e ao mesmo tempo libertar da pobreza boa parte dos brasileiros. Mas o verdadeiro milagre deu-se quando o prestigiado académico de formação social-democrata cedeu o lugar a Lula da Silva, um metalúrgico semianalfabeto que fez a sua aprendizagem política nas lutas sindicais e que fundou o Partido dos Trabalhadores. Eleito Presidente apenas à quarta tentativa, Lula tomou posse em janeiro de 2003 prometendo não seguir a tradicional cartilha dos governantes de esquerda latino-americanos: abundante entusiasmo pela redistribuição da riqueza, escasso ênfase na produção desta. E a verdade é que ao fim dos seus dois mandatos, o antigo metalúrgico era aplaudido dentro e fora de fronteiras pelos resultados. Programas sociais como o Bolsa Família e o Fome Zero tiraram cerca de 30 milhões de pessoas da miséria, enquanto o incentivo à modernização económica expandia a classe média para números nunca vistos, atenuando o fosso social herdado da colonização portuguesa, da permanência da escravatura durante quase todo o século XIX e da ausência de mobilidade social (um terço da população de São Paulo e do Rio de Janeiro vive em favelas). De repente, o Brasil passava a ser visto como uma das potências emergentes, o B desse conjunto que responde pela sigla de BRIC e que inclui ainda Rússia, Índia e China. Sintomático foi esse ano de despedida de Lula, quando com 7,5% de crescimento económico o Brasil se aproximou dos números habituais das economias indiana e chinesa. E a saudar essa fórmula de êxito, os brasileiros elegeram como presidente Dilma Roussef, a delfim do ex-sindicalista, uma mulher de esquerda que chegou a estar presa por combater a ditadura militar que durou até meados da década de 1980: no primeiro ano de Dilma, 2011, houve um arrefecimento, com os tais 3,5% de crescimento económico, mas este ano já se prevê uma taxa de 4,5%, o que significa que o fosso com o quinteto de potências à frente vai reduzir-se. E novas riquezas prometem ajudar a caminhada brasileira em relação ao sucesso económico: as recentes descobertas de enormes reservas petrolíferas no litoral garantem a autossuficiência energética de um país que apostava já forte nos biocombustíveis para assegurar a sua competitividade industrial, enquanto empresas como a Vale buscam pelo subsolo do imenso território riquezas minerais que podem surpreender aqueles que se habituaram a pensar nos Estados Unidos, Rússia e áfrica do Sul como os países líderes nessa matéria. Outra riqueza brasileira é o potencial agroalimentar, famoso desde os primeiros tempos da colonização portuguesa, quando a colónia se tornou produtora intensiva de cana-de-açúcar. Depois veio o café e mais recentemente as imensas pastagens para o gado bovino. Tudo isto, porém, tem ameaçado a floresta amazónica, o que é dramático não só para o Brasil como para todo o mundo. Felizmente depois de um pico de desflorestação atingido em 2004 (27 mil quilómetros quadrados, quase o equivalente ao alentejo!), os valores estão a ser bastante menores (cinco mil quilómetros quadrados em 2010), fruto da preocupação governamental, mas também da pressão de uma opinião pública cada vez mais bem informada. Preservar a amazónia passa por manter um pulmão do planeta, preservar a biodiversidade e ainda respeitar o modo de vida das tribos índias que insistem em manter-se fiéis à natureza.