Sara levantou-se apressada, como todas as manhãs. Deu um abanão a Miguel e informou: «Já tocou. Não molengues!». Foi ao quarto das crianças e deu-lhes ordem de levante
Sara levantou-se apressada, como todas as manhãs. Deu um abanão a Miguel e informou: «Já tocou. Não molengues!». Foi ao quarto das crianças e deu-lhes ordem de levanteDas 7 às 8h Sara é imparável: acordar todos, pôr a mesa, apressar, ordenar, reclamar.com a hora a avançar, o tom de voz subia e as ofensas sucediam-se: Miguel, que atraso de vida!, Canalha, só me chateiam logo de manhã!. Este é o ritmo da família Silva: Sara afogueada, enquanto Miguel e os filhos, silenciosos e acelerados, tentavam evitar ofensas. Naquele dia, Miguel decidiu agir.com o silêncio esperava paz, mas a paz não acontecia. a infelicidade agravava-se. Havia que conversar com Sara. Mereciam isso! Preparou um fim de semana para o casal, vencendo a resistência da esposa. Quando sós, olhando o mar, Miguel deu a mão a Sara e iniciou um discurso há muito treinado:- Sara, a nossa vida é uma loucura! Tu estás exausta; os miúdos e eu não conseguimos ajudar-te; não sabemos fazer as coisas à tua maneira e de acordo com os teus tempos. Nem temos de o fazer! Tu esforças-te tanto a cuidar de nós, mas há gritos, desvalorizações, não estamos felizes. Temos de mudar a nossa vida!- De que te queixas? Eu é que faço tudo, eu é que me preocupo, eu é que tenho de decidir, nem tenho tempo para mim, só posso confiar em mimE Sara chorou convulsivamente, numa tensão e desalento acumulados, chocada com a revelação de Miguel. – Queixo-me exatamente disso, Sara. Quero ver-te tranquila, quero pensar contigo, decidir contigo, dividir tarefas, quero que os miúdos participem do que é a vida em família, das decisões, de tudo. Quero que eles saibam que podem errar e aprender sem gritos. Quero alegria! Não quero só controlar as horas, o pó, a panela, o trabalho, a forma sempre igual de tudo acontecer. – Queres dizer que não tens alegria e que a culpa é minha?- Não! Quero dizer que quero que te permitas sair um pouco de cena e nos deixes entrar. Há outras formas de começar o dia e outros valores. Precisamos de parar, rir e brincar, de sentir o que está à nossa volta, de vibrar com a vida. Precisamos de poder ser diferentes e nos admirarmos no que somos e fazemos. Juntos vamos conseguir, Sara! Mas tens de deixarSara deixou-se ir, aconchegada no abraço de Miguel. Estava muito cansada. Desde há sete anos que não se dava ao direito de não estar preocupada. Foi difícil olhar os olhos de Miguel. Há quanto tempo não o via! E era tão terno o seu olhar! Relaxou, sentindo que tinha nele um apoio que não se tinha permitido ver. Juntos mergulharam no azul do mar e Sara pôde sentir o prazer da água, o afago do sol, o som das vagas, … o abraço amoroso de Miguel! ali, lado a lado, sentia-se sem peso. Seria isso a felicidade!? À luz do sol que se punha, relembraram projetos por que se encantaram, viram as crianças, os cansaços, as ofensas e também os perdões. amanhã, o dia será diferente. a música, a alegria e o direito a aprender em cada dia formas renovadas de amar, seria a nota do novo acordar.