a semana que ontem findou foi marcada pelo discurso do primeiro ministro de Portugal, não apenas pelos “cortes” anunciados devido à conjuntura, mas sobretudo pelas diversas reacções à Política seguida
a semana que ontem findou foi marcada pelo discurso do primeiro ministro de Portugal, não apenas pelos “cortes” anunciados devido à conjuntura, mas sobretudo pelas diversas reacções à Política seguidaNunca a expressão “Portugal está a arder” teve tanto sentido como hoje. O PM confirmou o que já sabíamos: que iremos ter pela frente alguns anos (talvez mais de uma dezena) de grandes dificuldades económicas que vão afectar a maior parte das pessoas, sobretudo as de mais baixos recursos. “O país está em choque” foram as palavras utilizadas por diversas cadeias televisivas para definir as medidas do orçamento para 2012 anunciadas por Passos Coelho. Marcelo Rebelo de Sousa, conhecido comentador disse que “houve um choque do acordar para a realidade”, acrescentando que “não há alternativa em termos de controlar o défice e dívida pública, o que se espera é que ao lado disso se veja por onde é que vai crescer a economia”. Esta afirmação consubstancia o grande problema das medidas apresentadas: pedir sacrifícios colossais ao povo, sem em contrapartida as explicar devidamente e deixar ainda uma luz de esperança (mesmo que ténue) para o futuro.
Vale a pena lembrar algumas reacções, por exemplo de Isabel Jonet, presidente do Banco alimentar conta a Fome que considerou estas medidas “para a população com orçamentos mais baixos são muito duras e essa dureza é tanto maior quanto essas pessoas vivem com orçamentos muito reduzidos, sem folga para mais reduções”. a grande preocupação da responsável daquela instituição centra-se nos mais pobres e idosos com reformas muito baixas e que, com o aumento IVa, não vão conseguir sobreviver. Para o presidente da Rede Europeia anti-Pobreza “este orçamento vai complicar a vida de muita gente e vai certamente lançar muita na pobreza ou, pelo menos, numa vida social mais debilitada, mas incapaz”. Lino Maia, presidente das IPSS diz: “as perspectivas vão sendo cada vez mais negras e cada vez parece que há menos espaço para a esperança”. São pessoas que acompanham muito de perto os mais carenciados e portanto merecem toda a credibilidade na sua análise.

Mas há também vozes no interior da Igreja que se pronunciaram com grande frontalidade e verdade. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal e um dos homens que acompanhou com mais acuidade esta problemática na sua diocese há anos atrás foi mais longe e disse que estas medidas de austeridade vão fazer “escorrer muito sangue”, considerando-se “derrotado” após 84 anos de vida a lutar contra a fome. “Isto vai rebentar” afirmou, definindo assim o receio que as manifestações de indignação da população sejam “o começo” de alguma coisa “muito mais grave”. “Não sei se o povo terá forças para ir para a rua, mas muitas coisas graves poderão acontecer”, acrescentou. O bispo aponta as culpas para quem “governou o país com cem, quando só podia ir até dez”, dizendo ainda que “a culpa não é apenas internacional”, mas também do “compadrio e do amiguismo” lembrando que “ainda Portugal vivia tempos anunciados como prósperos e já existiam milhares de pessoas com fome”.

Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças armadas, foi peremptório nas suas afirmações quando referiu: “Sinto que a classe média em Portugal e os mais desfavorecidos vão ser perfeitamente esmagados”. Insistiu nas dúvidas que estas medidas constituem dizendo: “Tenho grave suspeita de tudo isto” e alertou para a necessidade de o Governo explicar devidamente a situação: “Lamentar não chega, é preciso dar a cara”. afirmou também:” a salvação do país não pode ser o fundamentalismo da troika” e perguntou: “Com estas medidas os mais pobres estão a ser reconhecidos nos seus direitos? Eu diria: vamos falar, há falta de diálogo”. a sua critica foi ainda mais contundente quando perguntou: “Qual o limite de sacrifício, é morrer de fome?” Mesmo assim o bispo confia na capacidade de sobrevivência da natureza humana, referindo que ela “ultrapassa o previsível”.