Poucos acreditavam nas capacidades de Sónia. Epiléptica, com baixa visão e em risco de cegar, inicia o terceiro internamento por depressão num hospital psiquiátrico
Poucos acreditavam nas capacidades de Sónia. Epiléptica, com baixa visão e em risco de cegar, inicia o terceiro internamento por depressão num hospital psiquiátricoVivia aterrorizada a pensar nos malefícios que o ambiente de violência causado pelo marido teria no desenvolvimento de Clarinha e quis pôr-lhe termo. Mas, tantos anos a sentir-se nada e tantos obstáculos a ultrapassar fragilizaram-na. Quando era internada, a sua Clarinha ficava com a tia, por imposição do pai. Confiar a filha à sua cunhada deixava Sónia perturbada. Sabia quanto a desvalorizavam, comparando-a aos primos, envergonhando-a em frente dos colegas, devido ao internamento psiquiátrico da mãe, censurando-a de não ajudar nos trabalhos de casa, e tantas outras formas de convencer Clarinha que ela é uma triste. Tudo isto fez com que Sónia vencesse a timidez e insistisse com os técnicos, dias a fio, que poderia ter alta clínica. E conseguiu. Mais por exaustão do que por convicção do médico. Finalmente, depois de um mês de internamento, tinha autorização para regressar a casa. Porém, agora a sua casa seria um quarto que a técnica do Serviço Social e a família tinham conseguido arrendar. Sonolenta pela medicação, com medo de ter crises epilépticas, sentiu toda a sua força brotar quando Clarinha lhe saltou ao pescoço. – Demoraste tanto tempo, mãe! Eu não gosto nada que fiques doente! as palavras da filha eram bálsamo para a dor de Sónia e para os seus medos de que Clarinha não quisesse viver com ela num quarto pequenino, ou que alguém a considerasse incapaz de proteger a sua menina. Entraram no quarto. Era um T0, o máximo que poderia pagar. a ansiedade era total:- Gostas, Clarinha?- Gosto! É fixe! Só tem uma cama! Que bom! Vamos dormir juntas!E a filha saltou e voltou a saltar sobre a cama. Ligou a TV e deleitou-se com a novidade. Cantarolou, abriu gavetas, explorou tudo. Pouco depois uma vizinha do quarto ao lado bateu à porta:- Venho só avisar que não gosto de barulho. Faz-me dores de cabeça. Sejam bem-vindas!- Esta senhora não gosta de nós, mãe!- Temos de ter cuidado para não a incomodar. agora não vivemos numa casa só para nós. – Sabes, mãe, o pai podia vir para aqui e nós ficávamos lá em casa porque somos duas. E foi o que Sónia fez. Propôs ao Vicente que fizesse a troca, pela filha. Mas o marido estava bem e isso contrariava os seus interesses. as reclamações da vizinha continuaram. Era o barulho das canções de Clarinha, as corridas no quintal, o acordar quando elas se levantavam. até que o senhorio pediu que abandonassem o quarto. a minha filha precisa de ser criança. Hei-de encontrar uma solução, pensou Sónia. Palmilhou muitos quilómetros e, um dia, encontrou: aqui tem uma menina da idade da Clarinha e um quintal onde elas podem brincar à vontade. O resto não me importa. aqui as pessoas gostam de crianças. acho que agora sou feliz! Tenho tudo o que preciso: a minha filha é feliz!. Sónia ria baixinho, enquanto arrumava, mais uma vez, os seus bens trazidos em sacos de plástico.