«Se eu quiser falar com Deus tenho que me aventurar. Tenho que subir aos céus sem cordas para me segurar», escreve Gilberto Gil, em «Se eu quiser falar com Deus»
«Se eu quiser falar com Deus tenho que me aventurar. Tenho que subir aos céus sem cordas para me segurar», escreve Gilberto Gil, em «Se eu quiser falar com Deus»Há 50 anos, a 12 de abril de 1961, o russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a sair do nosso pla­neta e a viajar pelo espaço. Depois de regressar à terra, terá dito: Estive no alto dos céus, olhei para todo o lado e não encontrei Deus. Se tomarmos a sério a sua afirmação, decorrente de uma certa imagem de Deus, poderíamos tranquilizar Gagarin e outros que, como ele, andam à busca das nuvens em que Deus e os anjinhos se escondem. Não é necessário percorrer tão longa distância para O encontrar. Deus está em toda a parte. Mas, se Deus está em toda a parte, porque não o vemos?. Telescópios, microscópios, radares, sensores e outros instrumentos aumentam para níveis extraordinários a capacidade dos cinco sentidos com que o homem apreende o mundo e desvenda muito do que para nós era dado como inexistente. a nossa sensibilidade natural encontra-se apoiada por tecnologia que nos permite ultrapassar em muito as capacidades naturais. Contudo, Deus permanece invisível. Experiência de DeusQuando perguntaram ao fundador da psicologia analítica, Carl Jung, se acreditava em Deus, ele respondeu: Deus? Eu não creio. Eu sei. Partindo da sua experiência de investigação entre diferentes povos do mundo, Carl Jung afirma que, para o crente, a certeza da existência de Deus, na sua intimidade, é uma das mais certas a que o homem pode aceder.como é possível ter esta certeza de Deus, sem O vermos com os nossos olhos? Também não vemos os pensamentos e emoções uns dos outros. Quando muito, vemos a sua tradução em acções ou expressões de comunicação. No entanto, sabemos que os pensamentos e as emoções existem pelo simples facto de também existirem em nós. Podemos localizá-los, como tendo origem no nosso cérebro, que a ciência designa como centro de tais pensamentos e emo­ções. E o cérebro é fa­cilmente loca­li­­zá­vel em cada pessoa. Mas, onde po­de­mos localizar Deus pa­ra aí, de algum mo­do, assentarmos a nos­­­sa certeza da sua existência? ao for­­mular esta interrogação co­mo crentes, cientes do seu significado, estamos à procura de algo que, de facto, não está no nosso mundo. Deus transcende o mundo Deus não está ao alcance dos nossos sentidos para que O possam visualizar. Ele transcende-nos. a título de exemplo, imaginemos que a nossa vida se desenvolvia numa folha de papel. Tal como desenhos animados, viveríamos nessa folha. Num mundo de três dimensões no espaço, como o nosso, situar-nos-ía-mos num plano de apenas duas dimensões.com a nossa vida a desenrolar-se no plano do papel, um copo colocado ao lado seria invisível para nós. Os nossos olhos veriam apenas o que se passasse na dimensão do papel, ou seja, outros desenhos como nós.como o copo não pode atravessar o papel em que vivemos, nunca daríamos pela sua presença. Mas, se o copo cheio de água se entornasse sobre o papel, encharcando-o, daríamos conta da existência de algo para lá do nosso pequeno mundo. Esse dar conta de que estamos encharcados por algo que não é visível, tornar-se-ia a base de uma fundamentação no mais profundo do nosso ser. Só podemos visualizar ou descrever com clareza aquilo que adquire uma forma concreta no nosso mundo e se torna objecto dos nossos sentidos. Deus não é um objecto do mundo, nem sequer um objecto abstracto do nosso pensamento. Deus é, sabemo-lo, a verdadeira origem e fundamento de nós próprios e de tudo quanto existe. Sempre que O tornamos um objecto diante de nós, estamos a pintar o nosso desenho d’Ele e a falseá-lo. Ver DeusSem sentidos próprios para vermos Deus, Ele é e será sempre invisível. Pretender vê-Lo, exige que aprendamos a ver o invisível. E de facto, podemos tentar. Trancados e abrigados dentro do nosso quarto, damos conta que o vento sopra lá fora. Olhando pela janela, vemos as folhas das árvores a mexer. Mesmo de noite, sabemos que o Sol continua a brilhar lá onde se encontra escondido, pois a Lua reflecte para nós a luz que vai recebendo dele. a pretensão de encontrar Deus, ou seja, encontrar os sinais que nos revelem a sua presença no mundo, tornar-se-ia numa tarefa equivalente à de Gagarin. Continuaria a ser impossível, se Deus não se tivesse abeirado de nós para atear fogo ao papel da nossa vida. Ele tomou a iniciativa e aproximou-se do homem, entrando na sua história. Nós, cristãos, temos uma longa tradição que aponta para o encontro do homem com Deus. a Bíblia narra a caminhada de um povo que, em sucessivas gerações, procura viver sustentado pelo Deus invisível. ao longo da sua história, vemos surgir reis, profetas, homens e mulheres comuns que nos deixaram um testemunho vivido da presença de Deus na história humana. Esse encontro é possível para todos, sem excepção. Mais que o testemunho, das páginas bíblicas transparece a própria voz de Deus que indica o caminho em que a unidade do criador com a criatura é possível. Para se aproximar de Deus, o homem terá de tornar-se muito mais humano, trocando o coração de pedra por um coração de carne.