– Uau! Dá mesmo resultado! E com energia redobrada, balanceava os braços e batia o pé ao ritmo da música: «Tudo te sorrirá, se tu sorrires / Tudo te cantará se tu cantares / Tudo, tudo, tudo te amará / Se tu servires, se tu amares»
– Uau! Dá mesmo resultado! E com energia redobrada, balanceava os braços e batia o pé ao ritmo da música: «Tudo te sorrirá, se tu sorrires / Tudo te cantará se tu cantares / Tudo, tudo, tudo te amará / Se tu servires, se tu amares»Fátima repetia e repetia, ajeitando as notas da canção que, às vezes, ainda lhe fugiam desafinadas, por serem tão recentes. Mas estava a gostar tanto do efeito que tinha em si, que a agarrou como se de uma bóia de salvação se tratasse. Há canções que mudam vidas? Não sei. Mas Fátima sentia que sim. Há um mês, dizia-se uma pessoa zangada com a vida, com todos, com ela mesma. Experimentava uma vergonha tão grande, desde que o Jorge a deixou, que se fechara no seu mundo secreto, rebuscando na história da sua vida passada razões para ser abandonada a três meses do casamento. Fátima e Jorge tinham tudo para ser um casal feliz! Eram dois jovens amigos desde o ensino secundário, que conseguiram sucesso profissional e que em conjunto tinham já criado todas as condições físicas para viverem autónomos das suas famílias, logo após o casamento. Fátima olhava para trás e via quantas cedências tinha feito para preparar tudo para a sua nova casa. Nunca tinha saído da sua terra, não fazia gastos em festas ou prendas, trabalhava em dois serviços que não lhe deixavam tempo para se encontrar com amigos ou familiares, para descansar ou manter-se no grupo de tea­tro que tanto pra­zer lhe dava. Mas, esta era a nova etapa da sua vida e sentia-se feliz com o projecto a dois. ambos seriam felizes!O choque foi brutal, quando Jorge lhe confessou que vivia uma farsa. Disse-lhe que ela era uma mulher extraordinária, mas ele não se sentia bem ao seu lado. E, sem mais explicações, assumiu que seria melhor não avançar com os preparativos para o casamento. Conhecera uma outra pessoa e, de certeza, Fátima também encontraria alguém que a pudesse amar tanto quanto ela merecia. Foi assim que Jorge saiu de junto de Fátima, rápido para nem dar tempo de ver a reacção dela, passada a anestesia do choque. a partir de então, Fátima não conseguiu mais ir trabalhar. Estava com baixa clínica, com diagnóstico de depressão. Chorava e escondia-se. Passava os dias prostrada, sem energia para sair da cama, ou até sem vontade de recuperar da tristeza imensa. a tudo isto, juntava-se o medo de ser criticada, de ser mal avaliada, de nunca mais ter alguém do seu lado e viver só. Tinha pena de si!Fátima saiu de casa para ir a uma consulta médica. a sua falta de concentração fê-la enganar-se no percurso. Passou em frente da sede dos escuteiros. De dentro, ouvia-se o som das violas e as vozes entusiastas prolongavam-se pelo espaço de vizinhança, ao encontro de Fátima: Tudo te sorrirá, se tu sorrires… . a canção bateu-lhe no rosto. Fixou-se dentro dela como se aí houvesse um lugar construído à sua medida. Não se esquivou: sentiu cada palavra como uma terapia poderosa. Levou a canção consigo e voltou a experimentar a alegria, o sorriso, o canto, a música, a amizade, a solidariedade, o amor. Gradualmente, Fátima percebeu que o seu problema não tinha sido o Jorge abandoná-la. Tinha sido ela a abandonar-se a si mesma e a recusar viver. Quando optou por enclausurar-se nos muros da solidão e da desistência, perdeu a sua vitalidade. Fátima deixou esta canção acontecer na sua vida. Usou-a para re-olhar o sentido da sua história e as prioridades que assumiu. Encontrou outros sentidos. Mudou! Tornou-se mais forte. Estava a apaixonar-se, de novo, pela vida. Reconquistou a liberdade!