Em Portugal não sofremos apenas uma crise, mas duas. a crise desencadeada há três anos nos Estados Unidos, com a concessão maciça de crédito irresponsável
Em Portugal não sofremos apenas uma crise, mas duas. a crise desencadeada há três anos nos Estados Unidos, com a concessão maciça de crédito irresponsávelNesta era de globalização, o problema espalhou-se a todo o mundo, obrigando os governos a intervirem com injecções de dinheiro nos bancos e na economia em geral, para evitar uma depressão como a dos anos 30 do século passado. Bem mais grave é, para nós, a crise nacional: há uma década, a nossa economia está a crescer muito pouco, mas gastamos como se fôssemos ricos. Gastamos cerca de 10 por cento acima do que produzimos, cobrindo a diferença com empréstimos do estrangeiro. Os credores assustaram-se e pedem agora juros muito altos. Claro que, no conjunto do país, há diferenças. Não foram, certamente, os quase 20 por cento de pobres os responsáveis por esse desequilíbrio. Mas uma larga parte da chamada classe média adquiriu, entretanto, hábitos de vida que, agora, são muito difíceis de manter. O apertar do cinto virá – já está a vir – através de várias vias, desde a descida dos salários dos funcionários públicos até à diminuição de apoios sociais, passando por um cada vez mais difícil e caro acesso ao crédito bancário. Isto, sem falar no desemprego. Perante tal situação dois tipos de reacção são possíveis. Uma reacção de amargura, de revolta, de raiva, até, contra os políticos que alegadamente nos fizeram chegar a isto. Ou uma reacção pela positiva. Trazendo sofrimento a muitos portugueses, a crise também tem lados positivos. Desde logo, pode fazer-nos perceber aquilo que é realmente importante na vida – e que não são certamente os bens materiais, que tantas vezes funcionam como símbolos de ascensão social e compensação de frustrações mais fundas. Por outro lado, nesta sociedade consumista e individualista a crise dá oportunidade a que se manifestem – como graças a Deus já começou a acontecer – gestos de solidariedade e de atenção à sorte dos mais desfavorecidos. Talvez se desenvolvam, assim, novos laços de coesão social onde tem havido uma barreira de ignorância e invisibilidade entre a maioria da sociedade e os pobres. acresce que, como Bento XVI vivamente recomenda na encíclica Caridade na Verdade, a crise deve fazer-nos procurar novas maneiras para a economia funcionar, tornando o capitalismo mais humano. Essa é uma tarefa sobretudo para os intelectuais e universitários católicos. Do mesmo modo (outra recomendação da encíclica) importa dinamizar novas e imaginativas acções no campo da chamada economia social. No plano do crescimento económico, não podemos resignar-nos à quase estagnação da última década. Há que reduzir consumos, mas também aumentar aquilo que produzimos.como o mercado interno não irá crescer, importa produzir para exportar. O que implica ser competitivo com uma moeda – o euro – que tem um câmbio elevado (dantes desvalorizava-se o escudo) e deixar de concorrer no mercado mundial com base em salários baixos. Se a nossa mão-de-obra é barata, a asiática é baratíssima. Ora aí já se vê uma luzinha no fundo do túnel. as exportações portuguesas têm crescido bem nos últimos tempos e, sobretudo, a sua composição evoluiu para bens e serviços de maior valor acrescentado e com mais alta incorporação de tecnologia. O futuro depende de nós. Por definição, os cristãos são pessoas de fé e de esperança. Oxalá estejamos à altura do desafio.