Em 26 anos de missão, em Moçambique, houve dois Natais que marcaram em particular João Coelho. « a nossa verdadeira família são todos os que passam o Natal connosco», considera
Em 26 anos de missão, em Moçambique, houve dois Natais que marcaram em particular João Coelho. « a nossa verdadeira família são todos os que passam o Natal connosco», consideraO primeiro foi quando fui celebrar a missa a uma comunidade distante onde nunca tinha havido missa em dia de Natal e onde, dois dias antes, tinha havido um ataque de guerrilha. Não deixou mortos nem feridos, mas muita destruição e muito pavor na população. a chegada inesperada do padre deu uma tal alegria, uma consolação e uma esperança que nem se pode descrever, lembra o sacerdote. Nada de material recebi porque nada tinham para me dar, nem sequer uns ovos ou umas bananas, mas a alegria e a satisfação que senti por ter levado alívio e consolação àquela querida gente recompensou-me largamente por tudo o que não tinha naquele dia, assegura. O segundo Natal deixou marcas pela tristeza que lhe causou. a celebração, a 45 quilómetros da sede da missão, tinha corrido muito bem. Mas um pedido especial causou-lhe uma tal surpresa que ainda hoje lembra. Quando eu estava para sair, um dos principais colaboradores pediu-me se o levava comigo. Tinha qualquer coisa a fazer na sede do distrito. Senti uma pancada no coração quando vi aquele santo homem a querer ir para longe de casa e da família naquele dia que era Natal e nem sequer tinha almoçado, conta o missionário da Consolata. a surpresa apareceu quando, ao chegar a casa, ele pediu se lhe dava algum trabalho para fazer, nem que fosse lavar o carro, pois não tinha nada em casa para dar à família, lembra tristemente. O choque que senti naquele dia ainda o trago comigo. Por um lado, a miséria, naquela casa, de quem era um dos melhores colaboradores da paróquia; por outro, o facto de ele não me ter dito nada antes de partirmos. além da fome, pois nada tinha comido naquele dia, tinha ainda de andar 45 quilómetro a pé para chegar a casa com alguma coisa para a família!. Natal em família Às pessoas que, tal como os missionários, têm de passar o Natal longe de casa, lembra: Não se deve confundir o Natal com a família. É uma componente exterior muito importante na festa de Natal, mas o Natal é algo bem diferente e mais importante. E dá o seu testemunho pessoal: Posso dizer que deixei a minha família há 59 anos e nunca passei um Natal sequer sem a família. a nossa verdadeira família são todos os que passam o Natal connosco. Temos de admitir que, embora a família seja um elemento de fundamental importância no Natal, ela não é a essência do Natal. O Natal é algo de infinitamente maior do que a família humana. Quem reduz o Natal ao encontro de família, embora – insiste – isso seja importante, não entra no Natal; fica apenas na periferia. Depois de longos anos de missão em Moçambique, João Coelho está de regresso ao seu país de origem: Portugal. Em terras africanas, aprendi a viver com tolerância, respeito e consideração e estima por todos os que são diferentes na origem, na cor, na cultura, na opinião, na religião. actualmente, em Portugal tudo o surpreende. as mudanças estruturais, a cultura, os valores, os modos de vida, tudo. Mas, a pouco e pouco, vamos entrando nesta realidade, afirma.