“O Senhor deu a conhecer a salvação; aos olhos das nações revelou a sua justiça”, reza o salmo responsorial da missa do 28º Domingo comum
“O Senhor deu a conhecer a salvação; aos olhos das nações revelou a sua justiça”, reza o salmo responsorial da missa do 28º Domingo comumainda estou a vê-lo, aquele senhor de olhos faiscantes, que há coisa de 30 anos entrou de rompante pela porta do escritório paroquial em que eu me encontrava. Vi logo que havia borrasca grossa lá por dentro. Perguntei que problema o descontrolava. Respondeu apressadamente: É o meu miúdo. Tem oito anos e às vezes é desobediente e respondão. Hoje atirei-lhe à cara com o quarto mandamento da Lei de Deus que diz que um filho deve honrar pai e mãe, obedecer-lhes. E ele teve o descaramento de me responder que o segundo mandamento me manda a mim ir à Missa aos domingos. E que eu só lá vou quando me apetece! Malcriado e mal agradecido, o meu filho. Que devo eu fazer com este filho rebelde?. Procurei acalmar o homem e, com um sorriso, sugeri-lhe que, de vez em quando, pedisse ao filho para lhe ir dizendo mais umas coisitas sobre a religião.
Às vezes, dá a impressão que, hoje, tudo tem um preço. Parece que já não há nada que se dê ou receba gratuitamente: só se recebe quando se dá, e só se dá depois de receber. Deus é a grande excepção: deu tudo, dá-se todo antes de receber coisa alguma de nós. E até mesmo quando sabe que nada lhe daremos para agradecer os muitos dons que nos concede. Deu-nos tudo. E deu-nos o seu próprio Filho como resgate pelas nossas asneiras fatais.
Há uma deficiência lógica na natureza humana. Tomemos a primeira leitura por exemplo (Reis, 5,14-17). Naamã é um dos mais graúdos de uma grande força militar e económica: é general das tropas da Síria. De repente, abate-se sobre ele o poderio do mal: torna-se leproso. E acontece algo de desprezível: uma pequena escrava da sua esposa, sequestrada em Israel, aconselha-o a ir ver o profeta Eliseu do Deus de Israel. E o grande Naamã aceita o conselho. O profeta Eliseu nem sequer o recebe, mas manda-lhe um recado: que vá lavar-se sete vezes nas águas do rio Jordão. Francamente! Para Naamã o Jordão era um regatozito de água suja em comparação com os grandes rios Parpar e albana da sua terra. Humilhado, Naamã decide voltar para sua casa. Por sorte, os seus servos aconselham-no a obedecer ao profeta. Naamã humilha-se e lá vai lavar-se sete vezes no Jordão. E o seu corpo torna-se como o de uma criança, limpo de toda a mancha do mal antigo. Recebera muito, quer pagar muito ao profeta Eliseu, que recusa sem apelo. E aqui entra a deficiência lógica: o criado do profeta Eliseu vai atrás de Naamã e mente egoisticamente, dizendo que afinal o profeta aceitava a oferta de Naamã. O criado leva para casa as dádivas e, juntamente, o castigo que recebe, tornando-se leproso.
O egoísmo é o pecado que causa muitas das grandes desgraças que pesam sobre a humanidade. Pecado individual dos que poucas vezes ou nunca agradecem o muito que de Deus recebem. Pecado da nação forte que engana, com matrafices mortais, as nações mais pequenas, pecado este que, mais tarde ou mais cedo, traz consigo um salário de desgraça, como já se vê claramente nos nossos dias. Tais pecados-crimes avolumam-se até causarem o descalabro. Que o diga a história. Nada como a ganância para atirar para a carência. O egoísmo é afinal a muralha que construimos ao redor de nós mesmos e que logicamente nos isola de todos e de tudo. Deficiência lógica: no coração do egoísta não brilha nunca o sol das andorinhas nem se ouve o cantar alegre das cotovias. Só Deus, pela palavra do seu Filho, traz ao mundo a verdadeira lógica – Ele que continuamente, com o seu exemplo e a sua Palavra, educa os homens para a gratuidade. E é olhando para o Crucificado despido de toda a riqueza material na cruz que o homem e a sociedade aprendem a descobrir em si próprios a riqueza da energia espiritual que os levará à cura das suas lepras.