Há frases que se ouvem, como, por exemplo: «Não há mal em ser rico. O problema está no apego às coisas». é uma afirmação que eu ponho em causa, de uma forma muito séria
Há frases que se ouvem, como, por exemplo: «Não há mal em ser rico. O problema está no apego às coisas». é uma afirmação que eu ponho em causa, de uma forma muito sériaPergunto se é possível ser rico sem apego à riqueza, no mundo onde, todos os dias, morre gente à fome. Teoricamente, não há mal em ser rico. O problema está no apego. É uma frase que pode contribuir para que continue tudo na mesma.
O problema dos cristãos nesta matéria não é de fazermos mal, sabendo que estamos a fazer. O grande problema da Igreja como comunidade de crentes, na relação pobreza-riqueza, é o pecado de omissão. É o problema do rico e de Lázaro da parábola do evangelho. Não consta que o rico tenha feito mal a Lázaro, que o tenha tratado mal.como também não consta que o rico seja condenado por ser rico. É a presença de Lázaro que altera completamente o quadro. O rico é condenado perante Lázaro e perante uma omissão.
a catequese cristã praticamente não valoriza o pecado da omissão. Daí que também se peque objectivamente – embora subjectivamente não seja pecado – no sentido que se contrariam os desígnios e a vontade de Deus, sem consciência disso, por ideias mal construídas sobre o que é a exigência do evangelho nessa matéria.
a condenação ou os limites da posse não têm só a ver com a forma ilícita como os bens são adquiridos. Na Bíblia, há inúmeras condenações dos profetas que têm como pressuposto que os bens foram adquiridos ilicitamente, como falsear os pesos e as medidas. Mas temos que tomar consciência de que a nossa relação com os bens pode ser viciosa, independentemente da forma como os adquirimos. Não é preciso que a forma seja ilícita para que seja um roubo.
Entramos aqui no capítulo do pensamento social da Igreja, relativamente à relação do homem com os bens. Conhecemos a frase de Santo ambrósio, que Paulo VI utiliza na encíclica Populorum progressio: Quando dás ao pobre, não lhe dás do teu; restituis o que lhe pertence. Costumo usar esta frase ao contrário: se dar ao pobre é restituir o que lhe pertence, não dar ao pobre é ficar com o que não me pertence. a isso eu chamo roubar por omissão. É isso que me leva a dizer que, nesta perspectiva, há muito mais ladrão do que a gente julga.
João Paulo II disse algo de muito parecido com a afirmação de Santo ambrósio numa mensagem quaresmal: Partilhar é, no fim de contas, fazer chegar ao outro aquilo que lhe está destinado. Traduzindo em forma negativa: Não partilhar é ficar com o que está destinado ao outro. as pessoas podem, nem sequer, ter consciência de que podem estar a violar o sétimo mandamento da lei de Deus.
a partir de Leão XIII, no magistério da Igreja, o destino universal dos bens é um tema recorrente. a sua doutrina social tem tornado claro que esse pensamento não é avulso. Entra num conjunto hierarquizado de princípios. Uns são mais importantes que outros. Este é um caso muito claro. Há documentos da Igreja que classificam o princípio do destino universal dos bens da terra como o mais importante da ordem económica. Paulo VI afirma, na Populorum progressio, que é um princípio anterior ao próprio princípio da propriedade privada. Portanto, este não pode contrariar o destino universal dos bens. antes pelo contrário. Deve contribuir para a realização desse princípio. É urgente reconduzir as coisas ao seu destino original.
Texto de conferência aos Missionários da Consolata