“Faz tudo bem feito: faz com que os surdos ouçam e que os mudos falem”, refere o evangelista São Marcos no Capítulo sétimo, evangelho do 23º Domingo Comum
“Faz tudo bem feito: faz com que os surdos ouçam e que os mudos falem”, refere o evangelista São Marcos no Capítulo sétimo, evangelho do 23º Domingo ComumQuem poderia contar todas aquelas maravilhas que são os sons que ouvimos no dia a dia da nossa vida? Que mundo, o dos sons!… Já ao nascer a sua criança, regista a mãe os vagidos maviosos da sua criança que estranha o ambiente novo tão diferente da suavidade que é o seio materno. E toda a nossa vida, passamo-la a ouvir sons de timbres tão diferentes. Sons da natureza, como a brisa suave dedilhando nas folhas das árvores, ou o fragor dos trovões capazes de abalar a terra inteira; a cicio duma pequena fonte e o marulhar das vagas do mar; os lamentos dum rouxinol e o grasnar dos corvos… Os sons do silêncio duma noite calma numa colina isolada. Os sons produzidos pelos seres humanos: segredos confiantes ditos ao ouvido; o sim dos esposos na cerimónia do casamento; a cacofonia berrante de músicas estouvadas; as paixões e as grandes mensagens da música clássica e gregoriana. O bater dum coração na expectativa duma grande realização. E tantos, tantos outros sons de expressões tão diferentes.
E há irmãos e irmãs nossas que só ouvem os sons interiores da sua consciência, do seu coração. São surdos, vivem num mundo de silêncio exterior.como Ludwig van Beethoven que, durante a estreia em público da sua nona sinfonia, quando a uma certa altura o público começou a aplaudir fragorosamente e o surdo Beethoven nada ouvia, foi um seu amigo que delicadamente virou Beethoven para o público. ao ver tudo de pé a aplaudir, Beethoven rompeu em choro convulso. O compositor Beethoven que, na sua surdez física, ouvia’ as melodias produzidas pela brisa nas folhas tremulantes das árvores. Quanta gente só ouve a expressão do seu próprio pensar.
No evangelho de hoje, conta-nos São Marcos a história dum surdo que falava com dificuldade e que foi apresentado a Jesus. Jesus, elevando os olhos ao Céu, disse: Effathá, que quer dizer, abre-te. E logo se lhe abriram os ouvidos e se desfez a prisão da língua e começou esse homem a falar correctamente. Uma nova vida, um mundo de maravilhas se abriu na vida deste indivíduo. E as multidões diziam de Jesus: Faz tudo bem feito: faz com que os surdos ouçam e que os mudos falem.
Há surdos e surdos. Talvez também nós tenhamos por vezes dificuldade em ouvirmos, em escutarmos os sons-segredos pronunciados pelo Espírito Santo de Deus dentro de nós, sons divinos a insuflar amor e ternura e sentido de realização na nossa vida. Falhamos às vezes por termos tantas outras coisas em que pensar, tantas outras coisas que de todos os lados penetram nos ouvidos do nosso corpo e do nosso espírito. E perdemos assim o fio à meada da extraordinária sinfonia da nossa vida que Deus vai tecendo nos olhos e nos ouvidos do nosso coração.
Ler vastas vezes a Palavra de Deus, escutá-la atentamente, digeri-la e meditá-la interiormente amiúde, para depois a traduzirmos nas horas do nosso dia, nas acções do nosso viver, sozinhos e com os outros. Ouvi-la e falar dela, essa Palavra, ao som da qual tudo foi criado no universo (cf. Génesis 2,2), aquele tudo que o próprio Deus viu que era bom(Génesis 1,25), melodioso e produtivo de bem. Ouvir, pensar, realizar. Sons divinos ouvidos, sons nossos gritados, como o da multidão do evangelho de hoje que dizia do Senhor: Faz tudo bem feito!. Sons de Effathás’ que podem abrir clareiras na floresta das nossas dúvidas, que querem fazer correr torrentes nos desertos da nossa felicidade cambaleante. Sons do Espírito, que inserimos dentro de nós, como os olhos dum bebé que contempla e se deixam inundar pela face sorridente da própria mãe. Sons que um dia se perpetuarão pelas eternidades sem fim ao escutarmos as maviosas loas durante as Núpcias eternas do Cordeiro lá nos Céus.