Há um discurso recorrente, na Igreja: a Europa esqueceu as suas raízes cristãs, perdeu os valores, deixou de acreditar em Deus
Há um discurso recorrente, na Igreja: a Europa esqueceu as suas raízes cristãs, perdeu os valores, deixou de acreditar em DeusVoltámos a ouvir essas ideias, em Fátima, na peregrinação de Outubro: o cardeal audrys Backis, arcebispo de Vilnius (Lituânia) afirmou que a Europa esquece as suas raízes cristãs, e no continente defendem-se
ideias e mesmo ideologias contrárias ao direito natural, que não correspondem certamente ao desígnio do Criador. Mas o exemplo serve só para lembrar algo assumido no interior do catolicismo.
É verdade: a Europa está gasta e cansada, vive de uma ilusão construída nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial, não se quer renovar, está egocêntrica e desleixada. Quando digo a Europa, digo: todos nós.
apesar disso, não troco por nada esta velha senhora, sobretudo olhando em redor: a fome e a pobreza extrema que dominam África, a falta de liberdade e a extrema violência da Ásia, a injustiça gritante que atravessa a américa Latina (onde o cristianismo cresceu a par de tremendas desigualdades sociais, facto que nos deveria interrogar profundamente).
Pois: é na Europa que mais se respeita a dignidade da pessoa, que a liberdade garante a afirmação individual ou a organização colectiva, que os direitos humanos mais são tidos em conta, que há um maior e mais agudo sentido de justiça, que a riqueza está (apesar de tudo) melhor distribuída, que há mais preocupação com o desenvolvimento dos mais pobres, que a pena de morte está praticamente abolida, que uma revolução histórica colocou povos outrora inimigos a construir um projecto comum.
Enfim, é na Europa que o Evangelho é mais respeitado. Talvez porque o cristianismo plasmou vários aspectos da cultura europeia. apesar dos problemas da velha senhora, apesar da crise em que estamos mergulhados e do incerto futuro, que provavelmente agravarão as dificuldades actuais.
Quando algo não é exactamente ao meu gosto, prefiro fazer uma pergunta: onde é que falhei, para que esta situação não seja melhor? aprendi a fazer essa pergunta com o Evangelho de Jesus, mesmo se por vezes não a coloco da melhor forma ou se não sei as respostas correctas.
Já agora, no entanto, tento esboçar respostas: Deus passou a ser, para muitos, uma experiência pessoal. E isto tem também a ver com a responsabilidade da Igreja. Se as pessoas se afastam da experiência comunitária, talvez seja porque a comunidade e o que ela vive já não dizem nada à sua vida. La Palisse, admito, não diria melhor. Em vez de condenar a perda de valores da família ou da moral, melhor seria acolher novas realidades e perceber que salvação o Evangelho lhes pode levar.
Não me parece, enfim, que a Europa tenha perdido valores ou esquecido Deus, apenas porque vive Deus e os valores (mais individuais, mais conscientes) de forma diferente. a Europa é uma grande senhora. Na Igreja, faríamos melhor em destacar o que nela pode iluminar o resto do mundo: uma experiência mais consciente de Deus, o gosto da liberdade, o respeito profundo pelos direitos humanos, a busca da justiça.