Álvaro Pacheco – Missionário da Consolata

“Triste sina”. É com esta conhecida expressão que inicio esta reflexão, com base numa das notícias ligadas à pandemia e não só: o caso dos migrantes provenientes de países da Ásia e África, no concelho de Odemira, vítimas de tantos abusos que, como em muitos outros países, fazem com que não seja somente uma “triste sina”, mas uma “velha, desumana, injusta e triste sina”. De facto, é muito velha esta triste, desumana e injusta história de exploração, discriminação, tráfico de seres humanos e violação de vários direitos humanos.

Recordo os meus tempos de Coreia do Sul, onde vivi e trabalhei entre 1996 e 2014: sendo ela um dos países mais ricos do mundo, em especial na Ásia, a Coreia do Sul tem atraído, nos últimos anos, milhares e milhares de migrantes, na sua maioria ilegais: a maioria entra com visto turístico, mas acaba ficando de forma ilegal, sendo usada como mão-de-obra barata para trabalhos que, em inglês, são definidos como os “three Ds” (três Ds): “dirty, difficult and dangerous” (sujos, difíceis e perigosos), com salários muito baixos, pouca ou nenhuma segurança, para além das condições de habitação desumanas. A “Amnistia Internacional” (AI), dado o nível de violação dos direitos humanos implícitos nesta forma de exploração, chama-os de “dirty, degrading and dangerous” (sujos, degradantes e perigosos). De acordo com um relatório da AI, datado de 9 dezembro 2005, “muitas economias dependem dos trabalhadores que se sujeitam aos chamados “trabalhos 3Ds”. Estes migrantes são frequentemente vítimas de abusos por parte de empregadores sem escrúpulos, abusos que incluem o não pagamento de salários, confiscação de passaporte ou outros documentos pessoais, abusos físicos e verbais, falta de habitação decente e de acesso aos serviços sanitários, bem como prisão e detenção abusiva. As mulheres são particularmente vulneráveis à exploração, incluindo violência sexual. Muitos migrantes temem duras represálias por parte dos empregadores, caso denunciem os abusos de que são vítimas, ou receiam a deportação se forem às autoridades. Somente 34 países retificaram a Convenção dos Migrantes Trabalhadores das Nações Unidas de 2003, que obriga os Estados a respeitarem os direitos humanos e as liberdades dos migrantes residentes no seu território, mas são vários os que falharam e falham no cumprimento desta convenção.”

Como vimos em Odemira, as condições de vida dos migrantes são iguais às condições de milhões de migrantes espalhados pelo mundo: profundamente deploráveis e desumanas. Recordo os ocasionais relatos de exploração de migrantes portugueses durante a estação das colheitas no sul de Espanha e França, por exemplo; como tal, este é um problema que afeta a maior parte dos países, pois todos partem de um princípio que, no meu ver, é comum a todos: as multas, quando existentes e aplicadas, pouco ou em nada afetam as empresas dos empregadores, muitos deles apoiados pela corrupção política, sobretudo pelos compadrios entre política e patrões, chegando ao cúmulo de, por um lado, certos governos quererem “fazer razia” dos migrantes que roubam empregos quando, ao mesmo tempo, a economia ligada a milhares de pequenas empresas depende deles, estando várias delas associadas ou dependentes de grandes corporações ou conglomerados económicos. Se não fosse a pandemia, certamente este e muitos outros casos semelhantes dos de Odemira seguiriam despercebidos, sendo praticados com a conivência de tantos “atores” do campo político e económico.

Infelizmente, a situação de pobreza, miséria e outras formas de atentado aos direitos humanos nos países de origem, fazem com que muitos de migrantes se sujeitem literalmente a tudo, incluindo atravessar o Mediterrâneo em condições degradantes e perigosas, porque não têm outra alternativa para sustento e sobrevivência da família. Na Coreia do Sul, um colega meu visitou um grupo de migrantes paquistaneses, instalados num contentor sem janelas ou ventilação, que lhe diziam: “se aguentarmos dois anos aqui, apesar das dificuldades em que vivemos, poderemos construir uma casa e até abrir uma loja ou restaurante no nosso país.” É esta força de vontade que, infelizmente, alimenta a ganância de muitos, sobretudo em países ditos “civilizados”.