Adelino Ascenso, Superior Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova

De que serve rezar e jejuar, perante uma guerra que nos bate à porta? A pergunta é provocadora, mas não deixa de ser legítima. Escutando as notícias sobre a guerra na Ucrânia e vendo os rios de refugiados daí resultantes, o meu pensamento voa até à superfície espelhante das águas do mar Negro, naquela ocasião em que um cargueiro me levara desde Istambul até Trabzon, no nordeste da Turquia, rasgando as águas serenas e enigmáticas. Do outro lado daquela enorme extensão, encontrava-se um mundo ignoto, atualmente tornado centro das atenções do globo.

A minha imaginação mantém-me naquela região turca e conduz-me ao vale de Altindere e ao Mosteiro de Sumela, na encosta da montanha, marco indelével da fé cristã ortodoxa grega. Eu denominá-lo-ia um lugar de oração e jejum, um recinto de Quaresma, pois aquelas ruínas emanam segredos e anseios, enquanto a paisagem desperta sonhos e preces; jejua-se de tecnologias, observa-se o sol no horizonte e a vida pulsa ao ritmo da natureza, tocando o monge em nós e esculpindo súplicas no coração ardente.

Há quem identifique quatro etapas de oração: “falar para Deus”, recitando orações memorizadas; “falar com Deus”, dialogando com Ele usando as nossas próprias palavras; “escutar Deus”, estando atentos às formas como Ele se comunica, tanto no nosso apelo como também na nossa vida quotidiana; e, finalmente, “estar com Deus”, em atitude de recipiente.

E o que faz o jejum? Desarma-nos e tira força à nossa violência; baixa as nossas defesas, ajuda-nos a sentirmos o inebriante poder do despojamento e apura a nossa sensibilidade aos pequenos gestos de encontro e de paz. Jejum do trivial e supérfluo, em vista ao enriquecimento das relações humanas, diz o Papa Francisco. Faz sentido jejuar e rezar a um Deus que parece ausente de tanta dor e de tanto sangue? Sim, em vista à nossa própria conversão e transformação do nosso ser, pois só assim contribuiremos para que o Deus da possibilidade se faça presente e real, uma vez que Ele está ali, na sua Paixão. O monge em nós anseia por planuras de solidão, como a de Sumela, onde a oração seja repleta de ser e breve em palavras. Demos sentido à oração silenciosa e ao jejum do banal, de tal forma que o nosso respirar se transforme em oração e seja Deus que, através da nossa existência, nos reze.